GERAÇÕES
PARTE II
"...a terrível herança biológica que afeta os hormônios dos jovens Antunes..."
CAPÍTULO I
Otávio quis conhecer a história da Fundação. Contratou um serviço especial de auditoria internacional. Não que desconfiasse do pai, isso nunca passaria por sua cabeça, mas em torno dele houve cooperadores, Vice-Presidentes com os mais amplos poderes dentro da organização e, de qualquer um desses, algo de errado poderia ter ocorrido. Todos os papeis foram analisados, estudados e... uma falha cometida por Raimundo Thiné deixava à mostra as propinas que rece-
bera para aprovar certos procedimentos da Fundação. Bateu fortemente com os punhos sobre a mesa de trabalho quando tomou conhecimento do sucedido. Lamentou-se por haver falecido o ex-Vice-Presidente e entendeu perfeitamente a razão do seu afastamento e a compra obscura
de sua empresa. “Como isso passou pelas ventas de meu pai e ele não percebeu? Isso que me deixa fulo da vida”, pensava. Outra vez seus punhos machucaram a mesa de trabalho. Tomou uma decisão e ligou para Dr. Cristiano, chefe do setor jurídico da Fundação Mercantil Dago-
berto Antunes.
- Por favor, Dr. Cristiano, compareça à minha sala agora, com urgência. – Pediu.
O advogado num instante se encontrava diante de si. Mostrou tudo ao chefe de seu jurídico e perguntou:
- Há alguma coisa que possamos fazer?
- O que o senhor pretende? – Inquiriu o advogado.
- Embargar a empresa que o salafrário do Raimundo comprou com o dinheiro das propinas que recebeu. Mesmo que tal empresa não seja incorporada ao nosso patrimônio e que seja entregue ao Estado para administrá-la. Pergunto: isto é possível? – Otávio estava furioso.
- Isto pode levar anos e anos na Justiça... Embargar de imediato não, porém daqui a algum tempo com todas estas provas que temos em mãos, ganharemos a causa.- Explicou o advogado.
- Quem está na Presidência hoje desta empresa? – Otávio inquiriu.
- Guilherme Thiné, o único filho que Raimundo deixou.
- A esposa de Raimundo, dona Alessandra, ainda vive? – Mais uma vez Otávio perguntou.
- Não, faleceu faz um ano. – Respondeu o advogado.
- Este Guilherme é casado? Tem filhos? – Otávio questionava todos os pontos da família Thiné.
- No último domingo, num programa de televisão, a história de Guilherme Thiné foi o teor em pauta. Guilherme é viúvo, perdeu a mulher num acidente de carro e tem um filho: Leandro Thiné.- Comentou Dr, Cristiano.
- Por gentileza – pediu Otávio – não meça esforços, quero que entre na Justiça sem perda de tempo, quero isso em pratos limpos.
- Tudo faremos para que isso fique resolvido. – Dr, Cristiano prometeu.
Os anos corriam. Foi dada entrada na Justiça a reclamação da Fundação Mercantil Dagoberto Antunes contra a empresa X. Guilherme Thiné, ao tomar conhecimento do caso, logo buscou comunicar-se com Otávio, até fez uma visita à Fundação e manteve direto contato com ele, contudo, Otávio manteve-se irredutível, por nada retiraria da Justiça o processo e que a verdade viesse à tona, independente do que acontecesse.
Silas acabara de completar 15 anos. Estava em plena adolescência e era belo. Vivia rodeado de garotas, todas suspiravam por ele, que não se decidia por qualquer delas. Puxara ao tio Peter,
tinha as suas mesmas características físicas e o mesmo desprezo pelos estudos, o que deixava Otávio atônito. Para complicar ainda mais sua relação com o pai, tornara-se amigo de Leandro Thiné, conhecera-o numa danceteria da cidade. Otávio estava a ponto de explodir com o filho, porém se lembrava do caso que envolveu seu pai e o final trágico que tivera Peter, seu irmão.
Leandro Thiné era um ano mais velho que Silas e, quando Guilherme soube que seu rebento ficara amigo do filho de Otávio, dera-lhe a maior força, aprovando inconteste a amizade entre eles.
- Traga-o até aqui, invista-o de atenções. Uma amizade desta estirpe não se despreza. – Encorajava Guilherme.
- Eu sei, meu pai. Silas, apesar de ser mais novo que eu, é meu melhor amigo. Uma cabeça incrível o garoto tem, pena que deteste estudar, é sua perdição. Comentou Leandro.
- Um verdadeiro amigo sempre busca o melhor para o companheiro. Dou a você uma missão: faça-o gostar dos estudos, prove a ele por a+b que um homem digno é aquele que tem presença e cultura, que um homem inculto é o mesmo que uma marionete, um fantoche, fica sempre à
mercê dos outros, por mais dinheiro que possua. – Explicou Guilherme.
- Aceito o desafio desta missão e tudo farei para vê-la realizada. – Colocou Leandro.
- Assim que se fala – Incentivou Guilherme, batendo a mão de encontro ao peito.
Leandro encontrou-se com Silas no “shopping” e os dois se sentaram na Área das Delícias para um lanche e se puseram a conversar.
- Silas, acho você um cara incrível, incrível mesmo...
- Sério? Ultimamente tenho desconfiado de que ninguém goste de mim...- Silas confessou.
- Que asneira é esta, garoto? – Interpelou Leandro – Não é por ser mais jovem que eu não considere você como meu melhor amigo...
- Eu sou mesmo seu melhor amigo? – Silas interessou-se.
- Sim, é claro...mas... Vou ter de me afastar de você...- Leandro falou.
- Por que? – Silas quis saber.
- Porque você tem um defeito incorrigível e isto pode me prejudicar...
- Que defeito? Então você é feito os outros... tudo igual...
- Não, ninguém é igual. Seu defeito é não gostar de estudar... Um cara tão inteligente, mas desafeto dos livros... De certa forma isto é uma grande burrice...
- Você acha?
- Acho e por esta causa não devemos mais nos vermos...
- Não faça isto... Eu tentarei mudar... Você é o único cara que me valoriza, não quero perder sua amizade...Por favor, não faça isto comigo...não faça! - Silas implorava.
- Então me prometa que vai mudar... mudar mesmo!
- Eu prometo. Eu juro a você que vou mudar, unicamente para não perder sua amizade. Você também é meu melhor amigo...
Saíram dali em direção à casa de Leandro. Leandro o convidou para jogar videogame.
- Venha comigo, estou só em casa. Meu pai viajou a interesse da empresa e vai passar de dois a três dias ausente. Venha fazer-me companhia, podemos jogar videogame, se quiser.
- Vamos!
Entraram e foram diretamente à sala de jogos. Estava quente e Silas perguntou se podia tirar a camisa.
- Claro, fique à vontade, eu também vou tirar a minha.
Jogaram umas vinte partidas e Leandro o convidou para fazer um lanche na cozinha.
- O que você gostaria de comer? – Leandro perguntou.
- Ah, não se preocupe, eu não tenho luxos, como qualquer coisa...
- Come até um homem? – Leandro interrogou.
Ambos deram gostosa gargalhada.
- Como sim, desde que ele seja bonito...
- Eu sou bonito?
- Eita! É sim, mas não me deixe sem jeito...
- Tolice! Você também é muito bonito, aliás, bonito é muito pouco para dizer o que você é...
- Que conversa mais troncha... não podemos mudar de assunto? – Silas solicitou, meio constrangido.
- Pense... só estamos nós dois aqui... eu sou seu melhor amigo, você o meu... Podemos ser mais que amigos... Ninguém precisa de saber... eu gosto de você... – Dizia Leandro e seus olhos brilhavam...
Silas saiu da cozinha, correu para a sala, Leandro atrás dele...
- Não fuja, não necessita de correr... nada acontecerá se você não quer... não gosto de nada forçado...
Silas deixou-se cair no confortável sofá que havia no ambiente. Leandro sentou-se junto e suas mãos passeavam pelo tórax de Silas.
- É só carinho que eu quero, nada mais. – Leandro falava – não tenha medo...
- Eu não sei o que são estas coisas – Silas se expressou – Não é bom misturarmos amizade com estas coisas. Nossa amizade não seria a mesma depois...
Leandro levou adiante seus propósitos e, ali, na penumbra da sala, num átimo, estavam ambos inteiramente nus e foi inevitável o que sucedeu...
Otávio andava à espreita em relação ao comportamento do filho nos últimos dias. Notava-o taciturno, não conversava e se entregava, sem rodeios, a algo de que nunca fora admirador. Estava estudando e estudava com afinco, sem parar. O resultado desta abnegação repentina aos livros se refletiu no boletim da Unidade. Conseguira Silas ser, pela primeira vez em sua existência, o melhor aluno de sua turma. O sorriso era o adorno do rosto de Otávio. Finalmente, após longos anos de intensiva faina, via Silas no caminho certo e já podia sonhar em vê-lo sentar-se, um dia, em sua cadeira de Presidente.
As horas sempre senhoras da existência humana. O tempo nunca respeitou as aspirações e os desejos da humanidade, corria livre e os espaços eram que se transformavam, ora de maneira positiva, ora trazendo profundos pesares às criaturas.
Silas se transformou. Conseguira concluir com êxito os estudos básicos e, a conselho de Otávio, entrara para o curso superior de Administração de Empresas. Exatamente aos 21 anos, colava grau e, como presente de formatura, Otávio o nomeara Vice-Presidente da Fundação.
Silas não escondia seu contentamento, porém nem passava pela cabeça de Otávio a razão de sua brusca metamorfose. Há seis anos havia em si um caso com Leandro e ambos se dedicavam de forma a mais carinhosa, um com o outro. Eram ligadíssimos, estavam sempre juntos. Nesse ínterim, Guilherme Thiné entregava sua alma a Deus, sob forte sofrimento da parte do filho. Estava sozinho e, por herança, ocuparia a vaga do pai na Presidência de sua empresa.
Não foi fácil para Leandro tomar conhecimento do rolo que havia na Justiça contra os seus bens. Ficou escandalizado ao saber que o processo partira da Fundação Mercantil Dagoberto Antunes,
organização da qual Silas era Vice-Presidente. Deixou o barco correr, procurou não misturar as coisas com seu amante e evitava tocar no assunto quando estava em sua companhia. Na verdade, tanto Leandro era sabedor do caso, como Silas, no entanto nem um, nem outro ousavam tocar na ferida. Faziam-se de esquecidos, fingiam que o fato não existia e, desta forma, o tempo consumia as preocupações.
Otávio Antunes descobriu-se portador de leucemia e foram meses de intenso sofrimento até sua morte. Silas sofreu e, nos braços de Leandro, deixava que as lágrimas lavassem sua face.
O país inteiro lamentou o falecimento do mais notável executivo das últimas décadas e, em respeito ao seu passamento, em nota oficial, o Governo deliberou três dias de luto.
Silas, de imediato, assumiu a Presidência da Fundação. Seu primeiro ato: convidou o chefe do departamento jurídico a ir à sua sala e passou a ordem:
- É desejo meu que o processo instaurado por meu pai contra o patrimônio da empresa X seja retirado de pauta.
O advogado bem que tentou contestar:
- Este era o maior sonho de seu falecido pai, ver este caso esclarecido perante a Lei.
- Meu pai está morto, eu sou agora o Presidente da Fundação e que minhas ordens sejam cumpridas. – E deu por encerrada a entrevista com o advogado.
O departamento jurídico da Fundação não teve outra opção, imediatamente obedeceu ao que determinara a Presidência.
Leandro Thiné o recebeu com efusivas alegrias.
- Não poderia esperar outra coisa de você: o encerramento deste caso. É um absurdo termos de pagar por erros dos nossos antepassados.
- Pronto, caso encerrado. O que é que eu mereço? – Interpelou Silas.
- Você já sabe...
Três dias depois de retirado o processo da Justiça, algo bastante desagradável viria ocorrer. Silas, ao descer do carro na garagem do prédio em que morava, foi mortalmente alvejado num atentado. Levou dois tiros na cabeça e morreu instantaneamente no local.
Mais uma vez se comentava nas esquinas, nos bares, nos lares e em todos recantos, a audácia do bárbaro crime. Que motivo teriam para tirar a vida do rapaz? Era jovem, bonito, empresário bem sucedido e filho de Otávio Antunes, exemplo de competência e abnegação ao
desenvolvimento e à honra da Nação.
Leandro estava inconsolável... Perdera o amor de sua vida, a derradeira estrela que cintilava em seus dias. Nem compareceu às exéquias, tamanho o estado de choque em que se encontrava.
Dois dias após a realização do sepultamento de Silas, iniciaram-se as especulações sobre quem ocuparia a cadeira da Presidência da Fundação. Os jornais fizeram um grande alarde sobre o assunto. Era o que mais se comentava na cidade. Um grande jornal trouxe uma imensa reportagem sobre a origem dos negócios que envolviam os conglomerados da Fundação Mercantil Dagoberto Antunes. O povo conheceu na íntegra, os primeiros passos, iniciados no longínquo Vale das Cobras. Leram e se informaram, todos passaram a ter orgulho da Fundação, que surgira do nada e com o desprendimento do saudoso Beto Antunes chegara, aos poucos, a ser este monstro que garantia o pão de cada dia de muitas famílias.
Juan e Vanusa chegaram à cidade acompanhados de seus dois filhos: Marcelo Antunes e Ana Maria Antunes. Juan e Vanusa estavam idosos, porém um dos dois filhos, ambos solteiros, ainda, seria o futuro Presidente da Fundação, visto que constava nos estatutos que somente membros da família poderiam tomar posse no referido cargo.
Houve quem fizesse aposta, houve quem opinasse, mas tudo isto não desviou a atenção da polícia, que, sigilosamente, acompanhava e vigiava os passos das pessoas. Haveria de descobrir-se quem matou ou quem mandou assassinar Silas Antunes.
AMANHÃ - CAPÍTULO II DESTA II PARTE