GERAÇÕES
PARTE I
CAP. II
Dagoberto Antunes da Silva era um homem rude. Não tinha estudo, mal sabia assinar seu nome. Viu-se perturbado diante de tanto dinheiro, contudo sabia que precisava manter silêncio sobre a fortuna que bateu à sua porta. Conseguiu espetacularmente driblar o assédio da imprensa e sumiu com mulher e filho por alguns dias. Instalaram-se num hotel fazenda de uma cidade do interior, levando consigo enorme quantia para fazer jus as despesas que teria. Era necessário esconder-se, pois, em momentos como este aparecem amigos que nunca foram amigos, surgem familiares que jamais deram o ar da graça, enfim, trata-se de romper-se uma solidão à custa da inveja e do famoso “olho grande” que algumas pessoas têm.
- Quantos dias ficaremos aqui, pai? – Perguntou Beto.
- Não sei, filho, ainda. O tempo suficiente para que esqueçam, então poderei voltar à nossa casa, apanhar o que de lá possa nos interessar e sumir de vez, construir uma nova vida para nós.
Exatamente assim procederam. Vinte dias depois, durante uma certa madrugada, Dagoberto deixou Alzira e Beto no hotel e rumou até sua antiga residência. Combinou com a esposa o que podia trazer da antiga habitação e fretou um caminhão. Sua passagem foi rápida e
desapercebida, num átimo fez o que precisava e abandonou o local. Havia comprado neste intervalo de tempo uma boa casa na cidade W, muito distante da cidade K, onde residira. Levou os apetrechos para
lá e retornou ao hotel.
Na manhã seguinte, lá estavam os três dando voltas pelo comércio e comprando mobília nova, tudo novo... incluindo aí vestuário e objetos de uso pessoal para cada um. Estavam radiantes e nem mais se
lembravam do Vale das Cobras. Alzira pôde contratar serviços de secretárias do lar e Beto foi matriculado numa boa escola. Tudo era executado após muita conversa entre pai, mãe e filho, pensado, planejado. .. Discutiam agora a que tipo de empreendimento iriam dedicar-se:
- O que você acha, Alzira? Dê sua opinião... – Pedia Dagoberto.
- Não sei, marido... Temos de pensar com calma, nada pode dar errado.
- O que você acha de abrirmos um bom restaurante? – Dagoberto propôs.
Beto, atento ao diálogo, opinou...
- Não acho que seja uma boa, pai. Trabalhar com comida, além de ser muito cansativo, requer muita disposição e olhares vigilantes nos empregados por causa da limpeza e da higiene...
- Mas veja só, um garoto de 12 anos metendo o bedelho no lugar certo. – disse Dagoberto - você está certíssimo, filho, certíssimo... O que sugere, então?
- Minha mãe é cabeleireira... acho que devíamos abrir um sofisticado salão de beleza para ela num bairro nobre e contratar os melhores profissionais do mercado para trabalharem conosco. Se esse primeiro empreendimento der certo, passaremos a abrir em outros bairros e, até, em outras cidades, formando uma cadeia de salões. Você ficaria controlando a parte financeira geral do negócio... já estamos ricos, ficaríamos mais ricos ainda...
-Grande ideia, meu filho – concordou Alzira – hoje tanto mulheres como homens frequentam salões... Gostei, se seu pai aceitar, vejo que é por aí que vamos iniciar. E aí, Dagoberto, concorda?
- Sim... pelo menos não é com comida, porém com a beleza das pessoas que vamos mexer.
Começaram com o primeiro salão...Deu tão certo que saíram abrindo filiais pelas cidades circunvizinhas. Excelente a ideia de Beto, faturavam bastante, pagavam bem aos funcionários e todos ficavam satisfeitos.
Mesmo praticamente analfabeto, Dagoberto Antunes tinha tino para negócios. Por incrível que possa parecer, encontrou em Beto um fantástico conselheiro. Em tudo que dava sua opinião, os resultados eram surpreendentes, as coisas prosperavam abundantemente. Certo dia, em casa, à noite, saiu-se com esta:
- Pai, tanto você como minha mãe necessitam de se cuidarem. A aparência pessoal é muito importante, especialmente porque são empresários. Vá a um dentista, cuide de seus dentes...Usem roupas de marca, sapatos de grife. Nosso empreendimento está no auge e logo seremos considerados comerciantes bem sucedidos e vamos aparecer na imprensa... Pense nisso!
Beto estava coberto de razão. Dagoberto deu valor às palavras do filho. Tempos depois, tanto ele quanto Alzira, só andavam impecáveis... até carro de luxo compraram. Abriram filiais em outros Estados, o fruto do trabalho rendia grande fortuna e continuava crescendo, crescendo...
Alguns anos se passaram. Aquela humilde família do Vale das Cobras eram, agora, milionários, souberam com argúcia empregar o dinheiro e, a conselho de Beto, também aplicaram seus ganhos noutros setores. Investiram em imóveis e se tornaram proprietários de inúmeros apartamentos, casas, lojas e, até, prédios. Estavam consolidados.
Beto Antunes acabara de completar 16 anos. Havia se transformado bastante. Crescera, tinha agora quase 1,80cm de altura, possuía um corpo bonito e bem cuidado... nem lembrava mais o menino franzino e raquítico do antigo Vale das Cobras. Tornara-se estudante de peso e sonhava cursar administração de empresas a fim de que pudesse gerir os negócios da família. Era este o teor da conversa que mantinha com os pais, num domingo à tarde no alpendre da mansão onde residiam, o mais novo lar da família.
- Meu filho, tem certeza de que deseja essa formatura? – Indagava Dagoberto.
- Sim, pai, é interessante que eu estude. Nossos empreendimentos deram um salto muito alto, logo você e minha mãe vão precisar que eu esteja à frente de tudo, afinal tem trabalhado demais e breve desejarão o devido descanso, só sombra e água fresca.- Respondeu Beto.
- Beto tem razão, Dagoberto. – Concordou Alzira – é de suma importância que ele estude, sim. Não vivemos para sementes, um dia estaremos cansados e quem cuidará de tudo? Beto, claro, nosso único filho.
- Está bem, aliás, sempre ouvimos e praticamos o que coloca nosso filho. Assino embaixo, vá se preparar, mais cedo do que possa imaginar, será responsável pelo que houvermos construído. Retrucou Dagoberto.
No final deste mesmo ano, Beto foi aprovado numa universidade federal. Dava início a uma nova fase em sua vida. No convívio acadêmico era muito respeitado e querido pelos amigos. Todos ficavam abismados quando contava a história de sua vida, mostrando suas raízes, sua pobreza e a consequente mudança no estilo de vida. Era um exemplo que mexia com os objetivos e planos dos colegas. Um deles, chamado Raimundo, esperou o instante adequado para ter com Beto um diálogo. Aguardou pacientemente a ocasião, não desejava que acontecesse em frente aos demais.
- Beto... você não se recorda de mim? – Questionou.
- Para ser sincero, não. De onde deveria recordar-me de você?
- Do Vale das Cobras...
- Você era morador daquele lugar?
- Meus pais ainda moram lá, Beto. É verdade que tive pouco contato com você, todavia sempre nos víamos nas peladas do campinho... Só que nunca atuamos no mesmo time, eu era adversário em todas as partidas, pelo simples fato de não fazer parte do seu grupo. Você era um líder!
- Caramba, não lembro mesmo... E você hoje, onde mora? – Beto questionou.
- Depois que fui aprovado no vestibular, saí de casa. Arranjei um emprego à noite, trabalho como garção no restaurante do Malaquias, aqui perto. Ainda bem que esta universidade é pública, pois o que ganho não daria para pagar uma privada.
- Além de ser garção, o que você sabe fazer, Raimundo?
- Lembra que lá perto do Vale das Cobras havia a farmácia do Geraldo Negão?
- Lembro... meu pai fazia conta lá e pagava todos os meses, esse fato está bem vivo em minha memória. – Beto falou.
- Pois eu trabalhei durante muito tempo para Geraldo, no escritório da firma dele...
- Eu acho que já entendi onde você quer chegar... Está ansioso por uma oportunidade nos negócios de minha família, não é isto?
- Bem... é! Caso você possa ajudar-me... Meus pais estão velhinhos, meus outros irmãos se mandaram para São Paulo em busca de trabalho há dois anos e não deram mais notícias... Preciso de um salário fixo e melhor do que ganho para que tenha condições de ajudar meus velhos...
- Verei o que posso fazer por você... qual sua idade, Raimundo?
- A mesma que a sua: 16 anos!
Beto anotou em sua agenda o número do celular de Raimundo e prometeu tentar alguma coisa para ele ou nos escritórios dos salões, ou na imobiliária do pai, órgão que controlava os imóveis que eles tinham.
Um mês se passou. Certa tarde, Beto convidou Raimundo para uma conversa privada.
- Tenho novidades para você, Raimundo. Conversei longamente com meu pai. Nós resolvemos oferecer uma oportunidade a você em nossa imobiliária. Só há um “porém”...
- Qual? – Raimundo perguntou.
- Você estuda durante o dia... como quer um outro trabalho se o que eu tenho para oferecer é nos dois expedientes? – Beto colocou.
- Eu peço transferência de turno, passo a trabalhar durante o dia e a estudar à noite.
- Quanto você tira por mês como garção?
- Muito pouco... Quando o movimento do mês é bom, eu consigo ganhar R$ 500,00...
- Pouquíssimo... Tenho um salário de R$ 1.500 para ofertar e, caso você se dê bem e passe pelo período de experiência, depois dos noventa dias seus rendimentos chegam a R$ 2.000...
- Nossa! Que coisa boa, Beto! Eu topo, eu quero esta oportunidade...
- E ainda tem mais: há um bom apartamento nosso desocupado no mesmo prédio onde se localiza a imobiliária... tem três quartos, varanda, suíte, área de serviço e é totalmente gradeado.
Este apartamento me pertence, meu pai o colocou em meu nome...- Contou Beto.
- O que você quer dizer ao me falar sobre este seu apartamento? – Interpelou Raimundo.
- Não entendeu?
- Não...
- Vou dizer: coloco este apartamento à sua disposição para que retire seus pais do Vale das Cobras e venha com eles nele residir...
- E quanto de aluguel você me cobrará?
- Nada... Sem mexer em seus proventos, considere este apartamento como parte dos seus ganhos... Beto confirmou...
Podia-se perceber que os olhos de Raimundo estavam brilhando... eram as lágrimas que teimavam em não cair...
- Obrigado, Beto... não sei como agradecer tamanha caridade...
- No momento certo eu direi como você poderá agradecer-me...
AMANHÃ O CAP. III DESTA I PARTE