Poemas : 

Cansa-me

 
Cansa-me
este vento inclinado sobre aranhas,
as teias defectivas
onde moscas entediadas se mascaram de toutinegras noctívagas.

No Carnaval das coisas, cansa-me
esta luz sem brilho, sem chama, sem formigão,
esta luz doente
moída em mós de tempos,
na impassibilidade de farinação florescente.
[Não, não gosto de lâmpadas florescentes.]

Hoje o dia não nasceu aqui, no Moinho de Maré.
Sentada no sapal
olho para além das salinas, o rio, de lés a lés.

Aguardo a preia-mar, a subida das tuas águas, em represa de mim.
Rebusco da lua, a amplitude, a largura diferencial
capaz de te guiar de novo, alva farinha, pão do meu bornal.

Em engrenagens enxugas de ferro
cansa-me
o esquema de multiplicação em que me fundo
quando ensandeço sendo rastilho de um mundo em contra mão.


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Autor
Mel de Carvalho
 
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Enviado por Tópico
Carlos Ricardo
Publicado: 04/02/2008 11:16  Atualizado: 04/02/2008 11:16
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Localidade: Penafiel
Mensagens: 1801
 Re: Cansa-me
Mel,

não me canso de realçar o viço pujante da sua escrita, em que as palavras valem por mil imagens, mas que sugerem elas próprias planos de imagens que valem por outras tantas mil palavras...A sua mão conduz a escrita evitando que ela descambe para o lugar comum ou para as emoções pré-formatadas, ou frases feitas.
Saber o que não colocar no poema não é menor arte do que saber escolher o que colocar.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 04/02/2008 11:45  Atualizado: 04/02/2008 11:45
 Re: Cansa-me
Parabéns Mel por esse dispor a tal cansaço!
Lindo poema!

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 04/02/2008 11:54  Atualizado: 04/02/2008 11:54
 Re: Cansa-me
Utiliza muitas vezes o gerúndio do verbo ser, "sendo". Creio que em alguns casos causa alguma dissonância. Neste em particular (apesar da aliteração) a sequência de sons "un","an","an","en", creio fazer um pequeno corte na eufonia do poema.

Enviado por Tópico
juvepp
Publicado: 04/02/2008 17:00  Atualizado: 04/02/2008 17:00
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Mensagens: 547
 Re: Cansa-me
Olá Mel,
Ir "em contra mão" não é fácil exige uma cuidada separação do trigo e do joio mas não há dúvida que o gosto não se impõe. Há necessidade de rebuscar o direito à diferença, à "largura diferencial"/ Capaz" de nos "guiar de novo" às nossas origens.
Bonito.
Gostei