III
Corro atrapalhada à procura da felicidade, como se fosse um bem adquirido sem custos adicionais, talvez um proveito financeiro pudesse trazê-la até a mim e, ser valorizada na bolsa de valores, onde os títulos, as acções são a moeda forte de qualquer felicidade avulsa. Joguei vezes sem conta com a única moeda de troca que tinha, a vida, quase a perdi, sem saber que a verdadeira roda da fortuna não tem preço mas sim carácter, determinação, humildade e uma enorme vontade de existir e investir nos lugares mais remotos do amor. Nenhum amor é dócil como nos contos infantis, ninguém é feliz para sempre, nem o sempre é o lugar do nunca.
Quando te vi pela última vez estava fechada dentro de uma caixa cheia de sonhos, de enfeites de natal, tão brilhantes como o negro que passei a carregar nos olhos dos mortos que caiam redondos à minha volta. Passei rapidamente dos lápis à cor inútil do sexo fraco; ser mulher trazia-me algumas agruras redobradas. O esboço mais perfeito do universo passava a rascunho nas garras da prepotência. Tudo era calado até o cheiro da cola amarela que sucumbia das minhas mãos.
Só os inteligentes conseguem sobreviver, viver qualquer impotente faz com a conformidade da missão prometida. Trocaram-me os livros por máquinas, as máquinas engoliram-me e passei a ser uma delas. Tudo se esquece quando o excesso de ruído nos deixa invisuais. A tua voz continuava colada à minha, o rumor abria fendas no meu corpo e as roseiras saiam-me pela boca, o sangue espalhava-se como cataratas de peixes, os pássaros voavam contra o tempo e os meninos permaneciam inquietos ao toque da saída. Esperei por ti horas a fio mas o meu abandono perdeu-te:
- Onde estás!? Sinto-me exausta.
Conceição Bernardino – in “do outro lado do espelho” - 2014