Poemas : 

Do outro lado do espelho - continua...

 
 

III

Corro atrapalhada à procura da felicidade, como se fosse um bem adquirido sem custos adicionais, talvez um proveito financeiro pudesse trazê-la até a mim e, ser valorizada na bolsa de valores, onde os títulos, as acções são a moeda forte de qualquer felicidade avulsa. Joguei vezes sem conta com a única moeda de troca que tinha, a vida, quase a perdi, sem saber que a verdadeira roda da fortuna não tem preço mas sim carácter, determinação, humildade e uma enorme vontade de existir e investir nos lugares mais remotos do amor. Nenhum amor é dócil como nos contos infantis, ninguém é feliz para sempre, nem o sempre é o lugar do nunca.

Quando te vi pela última vez estava fechada dentro de uma caixa cheia de sonhos, de enfeites de natal, tão brilhantes como o negro que passei a carregar nos olhos dos mortos que caiam redondos à minha volta. Passei rapidamente dos lápis à cor inútil do sexo fraco; ser mulher trazia-me algumas agruras redobradas. O esboço mais perfeito do universo passava a rascunho nas garras da prepotência. Tudo era calado até o cheiro da cola amarela que sucumbia das minhas mãos.

Só os inteligentes conseguem sobreviver, viver qualquer impotente faz com a conformidade da missão prometida. Trocaram-me os livros por máquinas, as máquinas engoliram-me e passei a ser uma delas. Tudo se esquece quando o excesso de ruído nos deixa invisuais. A tua voz continuava colada à minha, o rumor abria fendas no meu corpo e as roseiras saiam-me pela boca, o sangue espalhava-se como cataratas de peixes, os pássaros voavam contra o tempo e os meninos permaneciam inquietos ao toque da saída. Esperei por ti horas a fio mas o meu abandono perdeu-te:

- Onde estás!? Sinto-me exausta.

Conceição Bernardino – in “do outro lado do espelho” - 2014



A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.
Aristóteles

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@cartascemremetente

 
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Conceição Bernardino
 
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Enviado por Tópico
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Publicado: 09/01/2015 16:34  Atualizado: 09/01/2015 16:34
 Re: Do outro lado do espelho - continua...
Não diga o meu espelho que envelheço,
se a juventude e tu têm igual data,
mas se os sulcos do tempo em ti conheço
então devo expiar no que me mata.
Tanta beleza te recobre e deu
tais galas a vestir a meu coração,
que vive no teu peito e o teu no meu.
Mais velho do que tu serei então?
Portanto, meu amor, cuida de ti
como eu, não por mim, por ti somente
te cuido o coração, que guardo aqui
como à criança a ama diligente.
Não contes com o teu se o meu morrer.
Deste-me o teu e o não vou devolver.

William Shakespeare,