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Descartes e o Racionalismo - Parte XIII - Apêndice "O Empirismo", parte 1
Primeiramente será oportuno desfazer um equívoco que é comum e que consiste em apontar a origem desse sistema filosófico na Idade Moderna (séculos XVII e XVIII), nos domínios da Grã Bretanha.
O fato de ser frequentemente associado aos filósofos empiristas britânicos decorre do fato de que foi naquela nação que aconteceu o seu apogeu, pois ao se oporem ao Racionalismo de Descartes, esses pensadores elevaram-no ao patamar dos contraditórios que fazem com que a Filosofia seja superior a qualquer outra disciplina, justamente por permitir a multiplicidade de pontos de vista sobre um mesmo tema.
Na verdade, essa corrente de pensamento (vinculada a Epistemologia, os estudos sobre como acontece o processo de conhecimento humano) teve início nos primórdios da Filosofia, na Grécia clássica, onde, entre outros, encontrou em Aristóteles um ardoroso defensor. E o seu desenvolvimento através de homens geniais como Avicena, Ockham, Francis Bacon, Hobbes, Berkeley, Locke, Hume, Maquiavel, Stuart Mill e vários outros, consolidou-a como uma das mais valiosas ferramentas para a solução das questões filosóficas.
Como se sabe, o Empirismo é a tendência filosófica que afirma serem os Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) o principal – e talvez o único – meio utilizado pelo Ser humano para adquirir conhecimentos.
Por consequência, os empiristas negam a existência de ideias inatas, de tradições, de costumes etc. sob o argumento de que essa classe de pensamentos é apenas o resultado de experiências sensoriais anteriores. Alguns, como Hume, negam inclusive a existência da “Lei da Causalidade (ou de Causa e Efeito)”, afirmando que só por hábito é que se afirma que determinado efeito sucederá a determinada causa. Veja-se o seguinte exemplo:
“Afirma-se com convicção que o Sol nascerá amanhã... mas essa afirmativa baseia-se apenas no fato de que isso aconteceu nos dias anteriores e não em provas lógicas e irrefutáveis de que o mesmo ocorrerá no futuro... o homem acostumou-se ao nascente diário e por isso pressupõe que ele se repetirá eternamente.”.
Outro sábio destacado, Locke (considerado o fundador do “Empirismo Moderno” e o principal opositor ao “Racionalismo Cartesiano”), afirmou em uma de suas obras, “Ensaio sobre o entendimento humano”, que a mente do homem é como uma “tábula rasa (literalmente: ardósia em branco)” aonde vão sendo gravadas as ideias1, por meio das experiências sensoriais.
E o Empirismo ganhou sofisticação e um grande número de adeptos, dentre os quais se destacou o Bispo irlandês, Berkeley que resumiu a sua teoria – chamada posteriormente de “Idealismo Subjetivo” – com a conhecida máxima: “ser é ser percebido”.
O religioso admirava profundamente o trabalho de Locke, mas não concordava com a ideia de que a mente registrava diretamente o objeto material que os Sentidos haviam percebido. A seu ver, a “coisa, o objeto” não pode ser conhecido em si mesmo e, por isso, o homem só conhece a “ideia” que fez do mesmo.
Conhece as qualidades e propriedades do objeto (cor, tamanho, peso etc.) através das revelações que acontecem durante o processo de percebimento, mas não pode conhecer a “essência” da coisa ou, como diria Kant, a “coisa em si mesma”.
Por isso, para ele, “ser é ser percebido” já que aquilo que não estimula ou provoca as sensações não existe, não é. O que existe para o homem, portanto, é apenas “um feixe de sensações”.
Contudo, Berkeley não caiu em um individualismo inócuo, em uma tola “subjetividade individualista”, pois se assim fizesse teria que admitir que “tudo só existiria para a mente de cada observador”; uma situação que a simples observação da realidade material diz ser impossível, haja vista as similaridades existentes no mundo. E para não cair nesse abismo, ele retomou a sua fé e afirmou que existe uma “consciência ou mente cósmica” a quem se chama de Deus. Dessa sorte, tudo é percebido por “Ele”, fazendo com que o mundo exterior (tudo aquilo que está fora do homem) exista concretamente, ainda que a sua essência não possa ser conhecida pelo Ser humano.
Paralelamente, David Hume diferenciou os tipos de Conhecimentos em duas vertentes:
Matérias de Fato
Relação de Ideias.
O primeiro tipo relaciona-se com a “Percepção Direta ou Imediata”, sendo, portanto, a única forma de conhecimento verdadeiro.
O segundo tipo é uma dedução feita a partir das ideias resultantes de experiências sensoriais acontecidas. A “nova ideia” é verdadeira e necessária (no sentido filosófico) porque foi originada por um Raciocino lógico, dedutivo e demonstrativo; porém nada acrescenta ao conjunto de saberes já existentes, haja vista ser uma mera reelaboração de ideias anteriores.
Essa diferenciação permitiu-lhe questionar uma série de “Verdades”, de “Leis (como a citada Causalidade)” etc. e, principalmente, concluir que as informações produzidas a partir dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) são indispensáveis para a aquisição de novos conhecimentos.
Ademais, com essa valorização das Percepções ele ofereceu um valioso contraponto ao descrédito que as Sensações recebiam dos Racionalistas.
No correr do tempo, o Empirismo foi adotado por outros Pensadores e modificado pelos mesmos de acordo com as suas teorias. É o caso, por exemplo, do Positivismo de Comte (Auguste, 1798-1857, França) que apesar de sua amplitude, não oculta que há em sua base generosas porções de ideias empiristas.
Atualmente o “Empirismo Lógico” é também chamado de “Neo Positivismo” em consonância com os elementos-chave da doutrina pregada pelos sábios do “Círculo de Viena” que o criaram; e com o seu uso nas ciências, haja vista ser consensual que as teorias cientificas devem ser baseadas na observação “Positivista, Empírica” do mundo, em vez de se lastrear com elementos da intuição ou de fé, de credulidade.
O Empirismo é uma doutrina que encontrou e que ainda encontra vigorosas resistências, mas o certo é que o “Método Empírico” influenciou toda uma geração de estudiosos, particularmente na Grã Bretanha e nas regiões que sofriam a sua dominação ou influência, como é o caso dos Estados Unidos onde, tempos depois, embasou, direta ou indiretamente, doutrinas como o Pragmatismo, o Utilitarismo e similares.
Além disso, foi a antítese necessária para que o Racionalismo não solapasse qualquer outra forma de pensar, criando uma perigosa ditadura intelectual. São motivos, portanto, que o fazem merecedor do prestígio e do respeito de que desfruta.
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Na segunda parte desse apêndice abordaremos as diferenças entre o Empirismo e o Racionalismo.
Nota do Autor 1 – para Locke as ideias são de duas categorias: Ideias Simples como, por exemplo, “amarelo”, “ouro” etc. Ideias Complexas, as associações feitas com as “ideias simples” como, por exemplo, “ouro” que é um material “amarelo”.
Lettré, l´art ET la Culture. Rio de Janeiro, Verão de 2014.
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