Crónicas : 

No limite do tempo exato de uma tarde ensolarada

 




Sempre que os cães passam, a caravana avança com gritos roucos e secos assistindo tevê a cabo na vitrine de uma loja de antiguidades. Talvez os sons possam, a seu modo, ser um tanto quanto monótonos, extraviando-se do ritmo, praticando falsetes e sustenidos quando deveriam desenvolver-se em bemóis sincopados. Por que, as montanhas tem uma face inclinada diante do choro de criança e palavras acaloradas de discursos ditos ao meio dia, antes do cantar dos galos das serras, outrora espalhados pelas colinas verdejantes da terra onde nasci.
Pude ver bem, para alegria interior, dois deles em dança de acasalamento, farfalhando as asas amarelas, preguiçosamente jogando amarelinha com a criançada da rua, escondendo às pressas seringas usadas para picadas nas veias de viciados tranquilos com a impunidade. Pois se hoje pode chamar altas autoridades de ladrões que nada repercute, que dirá fazer uso de um entorpecente numa via pública de pouco movimento, distante de olhares censores e delatores. Se os há, se escondem atrás das janelas, protegidos pelas tramelas que também trazem nas bocas. Algum as tem nos olhos e ouvidos, metamorfoseados em macaquinhos triplos politicamente corretos em suas deficiências sensoriais.

Não que haja mais filosofia sensitiva do que coisas entre o céu e a terra. O calor não congela um verão, nem a agulha desliza pelo tecido sem trazer consigo a linha encarnada, atirando granadas de gás e transpirando com o esforço. Assim se justifica o uso indiscriminado dos advérbios de lugar. Pois, vinde a mim todos os que acham que adverbio de lugar pode ser usado no sentido amplo que desejam e mais lhes calham à fiveleta. Tenham fé, mas não tem mais graça observar os jardins suspensos sabendo que Nabucodonosor acabou comendo grama de quatro e mijando no muro. Historiadores não chegaram ao consenso se levantava uma das pernas para apoiar-se aos muros, mas esse conhecer, se possível fosse, nada acrescenta nem diminui. Ou seja, não influi nem contribui para o deslinde da influência dos galhos secos na vida sexual da cigarrinha-de-jardim.

Tinha muito mais graça quando Zaratustra imitava Zoroastro observando os céus da Caldeia, enviando mensageiros para cumprimentar estrelas. Interpretes da linguagem estelar faziam movimentos de olhos à falta de outro meio eficaz de comunicação terrena. Correspondência biunívoca foi o que se viu naqueles acontecimentos. Remotos sim, mas nem por isso de somenos importância ou destinados à vala comum do incineramento das grandes invenções movidas a vapor de sódio que se observe livre e com clareza na natureza. Especialmente onde enterraram o coração daquele índio, observando a curva do rio, saindo do refúgio nas montanhas durante a noite a fim de profetizar alvissaras a toda tribo.
Poderia ser dramalhão mexicano, podia ser trecho da “Cavaleria Rusticana”, mas mais se assemelha agora à pantomima francesa, com aquelas bonecas de olhos de retrós. Noite após dia, o mundo acontece nas montanhas vencidas a toque de trenós, sacolejando sobre terras cultiváveis no limite do tempo exato de uma tarde ensolarada.



 
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FilamposKanoziro
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 04/01/2015 00:52  Atualizado: 04/01/2015 00:52
 Re: No limite do tempo exato de uma tarde ensolarada
« Assim se justifica o uso indiscriminado dos advérbios de lugar.»
show!