Da Covilhã, desceu até Lisboa. Mudou-se para casa da irmã mais velha, que trabalhava o dia todo. Num quartinho, aprendia a dar os primeiros passos da costura. Já sabia fazer baínhas, pregar botões e até fazer uma saia. E ali ficava, nos seus, quase, 16 anos, ajudando, também, na lida da casa.
Teria sido no mês de Junho de 1955... Ele entrou no quartinho dela, sem bater à porta. Presenteou-a com o sorriso dos crápulas! Aproximou-se, devagar... Tinha tempo. Ela levantou-se do seu banquinho de costura e enrolou o frágil corpo a um canto do quarto. Ele caminhava devagar, fumando o cigarro barato, atirando a beata pela janela. Agarrou-a, sem esforço, e violou-a, ali mesmo! Ela não gritou. Não se mexeu. Só as lágrimas escorregavam da sua alma...
Engravidou. A vergonha, o medo, a culpa, fizeram-na silenciar a angústia, durante 9 meses. Enquanto o desespero a dominava, a sua criança crescia dentro do jovem útero... Ela apertava os seus seios e barriga e calou a gravidez. "Estás mais gorda, cachopa!" "Sim, estou a engordar..." E o dia chegou!
Enquanto o almoço se servia em lares paralelos, ela fechava-se no quarto, ou na casa de banho, em doloroso trabalho de parto. Por fim, gritou...
Correram a chamar o pai, que trabalhava numa fábrica, por perto. Enquanto o pai não chegava, apunhalaram-na de nomes vadios. Ela trancou-se na casa de banho. Vozes desconhecidas, maldosas, diziam que ela queria matar a criança. Não! Ela só tinha os sintomas que não entendia e o medo dos seus 16 anos!
A criança nasceu, finalmente. Perfeita. Linda. Sã. O primeiro colo foi o de sua mãe. O primeiro beijo. O primeiro carinho. A primeira amamentação. E a sua mãe chorava...
Feliz? Talvez...
Medo? Talvez...
O pai não suportava o choro da sua menina, recém-nascida. Sentia ódio nas veias do seu próprio sangue. E, então, fez-se "publicidade"... Quem não pudesse ter filhos, ele dava aquela menina! Arrancando-a dos braços da mãe, deu-lhe como berço um caixote de sabão. E, aos 15 dias de vida, foi dada. Tirada à sua mãe. Assim...
Poderia ter sido uma criança feliz, ao colo de sua mãe...
"Tudo se cria!"
Sim... E as sequelas? Onde se esconderam quando a criança passou a adolescente, mulher e mãe?
Uma criança é valiosa demais! Um tesouro da alma. Aqueles tesouros que não se "dão".
Nunca!!
Manuela Fonseca