Tenho de me organizar, penso.
Tenho de me colar as peças.
Tenho de me rebuscar em cada ano que me saltou entre os cinco espaços de cada mão.
Tenho de me olhar ao espelho e reconhecer-me.
E embora eu não me veja, sinto que me assombro em cada reflexo de candeeiros fracos e psicadélicos.
E embora eu não o diga, eu nunca fui a mesma e aceitei-o.
Derreto-me com a febre.
Embebedo-me em receios e ideias.
Chamo o cancro com cada cigarro que me beija o canto da boca e me escurece os dentes.
Do que me vale debater-me, do que me vale o dilema, a alma já há muito que não me é brilhante.
Oiço tiroteios duplos. Eles que me acertem no peito.
Sentei-me num trono de esperanças moles e pernas perras.
Tentei respirar.
Tentei suspirar embora toda esta dormência que me acomoda à solidão e à paralisia.
Olha para todos eles, para todos os restos de peças montadas.
Olha para eles e questiona-te sobre o teu próprio jogo.
Sente o frio que te corre por entre a camisola esburacada.
Veste-te de preto para não reconheceres a tua própria sombra.
Sentes-te em observação por olhos que não são teus.
Rodeias-te de almas perdidas e velhas num parque sem nome, numa cidade sem filhos.
De quem és filha?
De que és criadora?
Ainda não encontraste uma forma de te matares, encontraste todas e mais umas.
Morres todos os dias, ficas a metade com os anos.
E todos estes anos que te escaparam pelos dedos não são teus, são da tua sombra talvez.
Não sentes saudade, não sentes nostalgia.
És a saudade, és a nostalgia.
Que horas são? Diz, são que horas?
Conto o tempo, quem sabe para o levar comigo numa morte lenta, demorada.
Doí-te?
Sim, doí-me o tempo.
Doem-me os olhos, as pernas, os joelhos mal formados.
Doí-me toda a proporção deste corpo que me mantém acordada de noite.
Doí-me a saudade. Doí-me a nostalgia.
Morrem as almas, já velhas.
Fica vazio o parque, renasce o frio.
Fica a saudade, fica a nostalgia.
Sentes?
Não, não sentes, está afogada na dormência e na paralisia.
Pousa a mão sobre o coração.
Pousa a caneta sobre o cimento.
Deixa-te ficar, como sempre te deixaste.
Deixa-te.
Não vale a pena a solidão, não vale a pena a comodidade nem os ouvidos que escutam os acordes da tua vida.
Queres impressionar os olhos dos demais, já que os teus não te vêem.
Deixa-te disso.
Morre, enquanto o sol rasga as árvores para iluminar as almas que lá não estão e o sino da Igreja marca as nove horas.
Morre.
Fuma.
Morre.
Sê só a saudade. Sê só a nostalgia.
Lau'Ra