Quando saio de casa sei muito pouco sobre mim mesmo e meu passado. Vou olhando os passantes tentando trazer à tona recordações. Reparo que algumas mulheres usam flores nos chapéus, ao mesmo tempo em que trazem os lábios aveludados por beijos carinhosos. Dados ou recebidos. Pode ser que você saiba muito sobre si mesmo sem ajuda de um GPS, apenas ouvindo os sussurros das águas dançantes. Bem por que na tela do céu, a lua cheia desenha sempre o contorno redondo. Mas, vivendo muito tempo naquele lugar, varias vezes fazendo a travessia a nado.
Poderia até ser rei por um dia, mas teria que dar em troca quase tudo o que tinha. Não estão incluídos os contratos de compromissos futuros, com recebíveis não exigíveis a curto prazo. Blue ships, você sabe bem, navegando em águas rasas deixando estrias no espelho azul, salgando todas as palavras de amor ditas in extremis.
Porém, para chegar até o rio, vai ter que ao menos pensar mais de uma vez. A não ser que saiba a senha. E a tenha anotada cuidadosamente, num papel. Pois bem. Vai daí que, hoje, pela manhã, debaixo da minha varanda, um ramo de primavera batia nervosamente na janela. Como não estou muito familiarizado com essa espécie vegetal, parecia uma declaração, uma senha para que me lembrasse de alguma coisa que havia esquecido.
Olhando outra vez para o contorno do céu, não posso deixar de imaginar se poderia ser um anjo ou uma águia. Tudo delineado na cor rósea. Percebo então, que não seria possível apoderar-me com garras e dentes e arrastar até o portão do antigo cemitério. Talvez não faça muito sentido neste contexto, mas, se fosse possível aos anjos garras nas pontas das asas, não teriam vergonha de usar camisolas.