Mais devagar, meus senhores,
isto é um processo histórico.
Modéstia, meus caros, modéstia
e um pouco de consciência
em não se chamarem de autores
palradores
do que a milhares de anos de vida
custou sangue, morte e muitas dores
Quando vier, ó carreirista
da política e das letras,
com a sua teoriazinha na mão,
- como se fosse um buquê
para enfeitar sua vida
no jornal ou na TV -
saiba disto:
atrás de você
empurrando você
causando você
afirmando você
negando você
transcendendo você
existe a fábrica
- e seu chão
ligado ao motor das almas
que compõem uma nação
existe a palavra
- com seu âmago alado
há mais de 800.000 anos
e de onde não some
a antiquíssima história
do trabalho e do homem,
existe a desalienação
- sobretudo a se operar
na linguagem lenta das verdades
que a cada um religa tudo.
Mais devagar, meus senhores,
isto é um processo histórico:
vocês não inventaram coisa alguma!
Assim como a terra inventa o verde,
na hora marcada pelo chão,
onde a alma da cidade vibra
na praça é que coletivamente se inventam
a tristeza dos homens, a sua canção,
a curva emocionada de suas lutas
- e a sua revolução.
(Um dia chegará o dia de
esmigalhar com mãos e cantos
politicagem & negócios
sem que os pássaros da vida
batam as asas por espanto.)
Moacyr Félix, In: Introdução a Escombros, Ed. Bertrand Russell, 1998, RJ.
Imagem: René Magritte - The Threatened Assassin