Hoje em dia em qualquer espaço comercial e social seja virtual ou não que eu passe só vejo ações de solidariedade por todo o lado, supostamente recheadas de boas intenções (como já o meu avô dizia: o inferno está cheio de boas intenções), chego a pensar que já nem há miséria e os doentes têm todas as condições humanas e carenciadas resolvidas. Quem está por dentro desses centros e desses lugares de carência é que sabe como as coisas muitas vezes funcionam, volto a repetir muitas vezes porque ainda acredito que possam existir algumas associações muito sérias e com boas intenções, até porque somos um povo com raízes de fado e muita humildade. Mas quantas vezes me deixei levar pela emoção e acabei por cair em alguns contos do vigário que por serem tão contos do vigário ninguém dá conta (alguns lobos não têm só uma cara de cordeiro tem duas ou três). Recordo sempre quando há uns anos fiz uma formação em artes decorativas numa associação muito conhecida (não vou referir o nome para não ferir susceptibilidades) dessas que são muito cotadas por ajudar tudo e todos, nessa altura haviam uns cursos para formação de jovens em diversas áreas, de fraco salário onde a associação era remunerada por fundos que vinham de fora, por volta de 1986, a formação que fiz era na área das artes (pintura em acrílico e a óleo) na verdade o professor era excelente, não sei se era muito ou pouco remunerado, o que sei é que as nossas remunerações não eram quase nada e como assim nos foi dito: todos os trabalhos feitos por nós eram nossos, realmente eram nossos, só que aconteceu um senão, ainda recordo bem aquele velhinho em tons de cinza sentado num banco a pensar na vida com o chapéu de abas largas que pintei numa garrafa e as telas pintadas a óleo que nunca voltaram. Supostamente foram para um exposição em Bruxelas anunciada por uma senhora da associação muito vaidosa que hoje a vejo mais vaidosa ainda com “cara de anjinho, muito sincera e bondosa”, e nessa bondade toda uns dias mais tarde olhou na nossa cara de otários para anunciar e pedir todas as desculpas do mundo; as nossas coisas não iam voltar, tinha-se partido uma prateleira com tudo. Já não me recordo por quanto tempo fizemos aquela cara otários e de idiotas, acho que não foi por muito tempo, como é que se podiam partir algumas coisas que não se partiam? Mais tarde foi vê-los com brutos carros e dos alicerces nasceram belas vivendas, antes disso alguns tinham vidas bastante medianas, alguns até tinham vindo retornados com uma mão atrás das costas, como era possível? Quantos hoje não têm boas vidas que construíram com dinheiros indevidos e oportunistas (dívidas que ainda hoje andamos a pagar) vindos de fora que supostamente eram para ser investidos na formação de um país, para que hoje fossemos um país muito melhor, quantas associações não foram as intermediárias e as oportunistas de bolso desses dinheiros?
Cristina Pinheiro Moita /Mim/