Através dos anos, apenas sobrevivo, meio morto, meio vivo. No final de mais um dia, obediente à ordem do cosmos, o sol se põe, dando lugar no firmamento à primeira estrela que surge ainda tímida, escoltando a lua nova. Ou escoltada pela lua nova, mas isso é uma questão de ciência estrelar e não coaduna com licenças poéticas. Condutora ou conduzida, o certo é que a lua espreita ainda nas sombras do horizonte como desejos febris da mulher apaixonada enquanto a escuridão de chumbo avança como cílios maquiados sobre a retina.
Finalmente desponta a lua, uma selene bela e esplendorosa vem prateando as montanhas e procurando seu justo lugar na abobada celestial, como a ganga nas lavras renovada cede lugar à douradas pepitas do mais puro ouro. Nesses momentos mágicos, as vozes amargas dos que caíram ao longo das jornadas fazem entender o quanto a vida pode ser dolorosa e difícil quando não se descansa, nem se bebe uma taça de vinho. Segue a ordem tranquila, ainda ornado o túnel negro do céu com nuvens brancas como bando de cisnes rodeadas por milhões de pontos cintilantes, ofertando às trevas uma opção de se renderem ao pálio de estrelas enfeitado.
Quando a vontade não tem vontade suficiente, a situação passa de maravilhosa a terrivelmente grave. Isso agora me parece. Posso até estar errado. Talvez, com a proximidade desta madrugada que se avizinha, surja um anjo de habito benfazejo aniquilando o desânimo, fazendo a alma transcender e ao menos tentar cumprir promessas feitas à luz dessa mesma lua incipiente em remoto passado. Sei lá se é mesmo assim. Pode até ser. Digam vocês o que acham de tudo isso.