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Descartes e o Racionalismo - Parte IV - o Racionalismo
Continuação...
E graças ao fomento dado pelo filósofo, o Racionalismo ganhou tal complexidade que logo surgiu a necessidade de se diferenciar as várias formas do mesmo. Para tanto, os estudiosos fizeram a seguinte classificação:
1. De um lado o "Racionalismo Metafísico e o Epistemológico/Gnosiológico", que predominam sobre todas as outras formas.
2. De outro lado, o Racionalismo do século XVII e o Racionalismo do século XVIII,
Afinal, como bem disse Cassirer (1874-1945, Alemanha), em sua obra “Filosofia de la Ilustración de 1943”:
“Ainda que coincidamos sistemática e objetivamente com determinadas metas da Filosofia “ilustrada” a palavra Razão perdeu para nós (a) sua simplicidade e (a) sua significação unívoca. Mal podemos empregá-la sem que visualizemos vivamente sua história e sem que estejamos constantemente dando-nos conta de quão forte foi a mudança de significado que experimentou no curso dessa história”.
E, realmente, o significado do termo Razão sofreu várias alterações durante os séculos XVII e XVIII, como veremos a seguir:
Durante os anos 1.600 (um século após a descoberta do Brasil) a palavra Razão expressava uma condição Metafísica e religiosa daquilo que lhe era objeto; ou seja, as “conclusões racionais” sobre algo, significavam a “sua essência”, aquilo que estava além das simples aparências ou fenômenos.
Desse modo, fez-se de Deus a “suprema garantia das verdades racionais” e o apoio extremo de um universo, que era, então, julgado acessível à racionalidade (sic).
É claro que este modelo de Razão estava muito longe de seus parâmetros lógico e de raciocínio, situando-se naquela classe de deturpações sofridas pelo termo.
Porém, já nos anos 1.700 a Razão passou a ser considerada uma atitude epistemológica, integrada à experiência; isto é, associava-se o processo de racionalização à experimentação feita através dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato).
E, também, passou a ser considerada uma juíza para as questões morais e sociais, sendo “Bom” o resultado de reflexões lógicas e racionais e, “Mal”, o resultado da impulsividade, dos instintos, da irracionalidade.
Um considerável avanço na definição do Racionalismo, pois se no século anterior ele foi utilizado para “comprovar” o que não pode ser comprovado; no século XVIII o resgate de suas características originais e o reconhecimento de sua validade repôs parcialmente a sua grandeza.
Assim, com esse avanço, chegou-se ao século XIX e nele se pôde assistir à sofisticação que lhe deu Hegel (1770-1831, Alemanha), e outros, que ampliou a sua abrangência ao ponto de incluir a possibilidade de explicação da evolução e da história humana com base em seus cânones.
Contudo, apesar dos avanços, nos séculos XIX e XX ocorreram vários equívocos sobre o significado do termo Razão, principalmente pela falta de esclarecimento correto da palavra. Exemplo disso pode ser observado nos autores que se declaravam fervorosos “Empiristas” e, ainda assim, adeptos do Racionalismo, apenas por considerá-lo o oposto do Intucionismo, do Irracionalismo, do Fideísmo (fé) etc. sem qualquer consideração mais elaborada sobre as suas característica e propriedades.
Por outro lado, certos eruditos combateram-no em nome do Irracionalismo, do Fideismo, do Intucionismo etc., mas não abandonaram vários dos elementos ligados à racionalidade.
Uma terceira tendência surgida foi a dos estudiosos mais apegados à história da Filosofia que combateram o “Racionalismo Clássico” e buscaram incorporar ao “Racionalismo Moderno” um conjunto de elementos que lhe seria contrário, como, por exemplo, o “concreto (o físico, o mensurável)”, a “história cronológica” etc.
Outros Filósofos, como Husserl (1859-1938, Rep. Checa), afirmaram que o “Racionalismo Moderno” seria naturalista e objetivista, ligado, portanto, à matéria, ao concreto. Com isso, negavam que o mundo seria fundamentalmente uma obra da mente, da Razão, haja vista só ser conhecido através da “ideia” que se faz do mesmo.
Outros eruditos afirmavam que o “Racionalismo Moderno” seria exageradamente “estático”, não considerando os fatores “dinâmicos” ou “funcionais” da vida.
E várias outras críticas e propostas foram feitas, criando-se, inclusive, um chamado “Neo Raciona-lismo”, sobre o qual declinaremos de esmiuçar, de-vido a sua similaridade com os outros modelos.
De todo modo, desconsiderando-se os exageros e os equívocos, pode-se constatar que houve, e ainda existe, um consenso em não admitir o “Racionalismo Simplificado” da antiga tradição, que afirmava teses que atualmente são rejeitadas, como a do exemplo abaixo:
“Toda a realidade pode reduzir-se a certas naturezas simples, as quais são inteiramente acessíveis à análise racional clássica”.
Atualmente, esse consenso contra o “Racionalismo Clássico” abarca quase todas as tendências, que, no entanto, consideram-se seguidoras dos novos modelos de Racionalismo, dentre os quais se destaca o chamado “Racionalismo Crítico” de Popper (1902-1994, Áustria), desenvolvido por Hans Albert (02.02.1921 – Alemanha), que propõe a adoção de uma “crítica racional” em oposição à ideia da “razão total”.
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Na sequência iniciaremos os estudos sobre Descartes, que é, sem dúvidas, o símbolo máximo do Racionalismo Moderno.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.
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