S E R I A D O
ARTESÃO DE VIDAS
CAPÍTULO I
Tádzio entrou em pesado sono na cama de Joab. Joab deitou ao seu lado na cama de solteirão, bastante larga. Mas Joab não adormecera. Começou a pensar nas perguntas que sempre fazia ao seu espelho. Ali estava a resposta. Estava diante de um belíssimo garoto. Loiro tal qual si mesmo, mais loiro, ainda, talvez, olhos bastante azuis e uma pele alvíssima. Um tórax magro, mas bem dividido e bonito, peitos pequenos, umbigo menor que o próprio e mais fundo. Partes íntimas bem torneadas e protegidas por uma grande quantidade de pelos, quase loiros, como os seus. Corpo perfeito... Será que Tádzio era mais bonito que ele? Esta era a pergunta que teimava permanecer em sua mente. Tentou livrar-se destes pensares e, igualmente, adormeceu. O sono foi intranquilo, pois, a concorrência ao seu lado não o deixava em paz. Acordou-se suado... Tádzio ainda dormia. Joab não conseguiu mais dormir, levantou-se, foi ao banheiro, escovou os dentes e procurou pela bolsa da escola,
abandonada molhada no chão da sala. Recolheu-a e agradeceu ao Alto, porque os livros não foram afetados. Com livros e cadernos às mãos, sentou-se no tapete da sala e iniciou-se a estudar. Estava em semana de provas e precisava preparar-se para o exame do dia seguinte.
Concentrou-se e estudou até anoitecer. Neste momento, Tádzio se acorda e o encontra absorvido, tendo um livro às mãos. Para não tirar-lhe a concentração, caminhou devagar até o sofá e ali sentou-se. Es-
peraria que seu “salvador” concluísse os estudos, o que não demorou muito.
- Você gosta de estudar, não é Joab?
- Sim, eu adoro. Você não gosta?
- Como você, também adoro, mas...
- Mas...
- Minha madrasta e o marido dela não me permitiam estudar. Eles sempre me diziam: “Para quê você quer estudar? Para você é pura perda de tempo, posto que sua função já está determinado até o fim de seus dias... será um eterno secretário do lar... lavar louça, lavar roupa, varrer, lavar banheiro...”
- Pare! – Joab pediu – Isso me dá náuseas – Você não vai se especializar em nada disso... você vai estudar, ser alguém na vida...
- Como? – indagou Tádzio – eles não me deixarão, nunca...
- Vamos esperar minha mãe chegar – informou Joab – contarei tudo a ela, inclusive a razão pela qual você fugiu de casa. Tenho certeza de que minha mãe fará alguma coisa para ajudá-lo, tenho convicção disso.
- Oh, Joab, isso seria um sonho...
- Não sonhe, você está perante uma realidade bem próxima.
- Como pode ter tanta certeza? – Inquiriu Tádzio.
- Minha mãe sempre soube de um desejo meu, um desejo quase que secreto...
- Pode me dizer que segredo é esse?
- Posso. Sempre sonhei em ter um irmão... Você se encaixa dentro desse meu desejo...
- Sério?
- Óbvio! Detesto ficar sozinho... Preciso de companhia, de alguém que converse comigo, que seja além de meu irmão, meu amigo... Você gostaria de ser esse alguém?
Outra vez os olhos de Tádzio se encheram de lágrimas. Estava se emocionando.
- Uau! Gostaria, sim... Terminariam todos os meus tormentos...
- Tudo vai depender de minha mãe, porque de minha parte é isto o que quero...
Novamente se abraçaram...
- Estou faminto – disse Joab – vamos lá para cozinha comer.
Fizeram um lanche, isto é, jantaram. Deixaram a cozinha em ordem e retornaram à sala, onde se aboletaram no sofá. Estavam novamente a conversar.
- Você nunca foi à escola? – Perguntou Joab.
- Claro que fui, mas apenas enquanto meu pai era vivo. Depois que ele morreu, iniciou-se minha via crucis...
- Faz quanto tempo que seu pai morreu?
- Três anos. De lá pra cá, só tormentos ocorrem em minha vida, por isso fugi, eu não aguentava mais, juro que não...
- E sua mãe? – Indagou Joab.
- Morreu quando eu tinha 4 anos... Tempos felizes passei ao lado de meu pai, até que, para minha infelicidade, ele resolveu casar-se outra vez...
- E depois ele morre, deixando você em companhia da madrasta... Que sorte madrasta! Entretanto isto vai se acabar... você, se Deus quiser, ficará aqui para sempre.
- Que Deus esteja falando através de sua boca!
E se abraçaram mais uma vez.
Ligaram a TV e assistiram a alguns programas, porém o sono chegou ao mesmo tempo para ambos. Desligaram a televisão e rumaram para o quarto.
- Onde dormirei? – Tádzio quis saber.
- Aqui em minha cama.
- E você?
- Eu durmo, por enquanto, na cama de minha mãe. Caso ela resolva de você ficar, aí então veremos como procederemos.
E a noite passou rapidamente. No dia seguinte, pela manhã, pela primeira vez nos últimos tempos, Joab não houve de se contemplar no espelho. Na verdade, ficara bastante intrigado, de certa forma o espelho dera –lhe uma resposta, já que todos os dias formulava a ele as mesmas perguntas. Sentou-se na cama. Com a ponta dos dedos limpou os olhos, nem houvera se espreguiçado, como de costume. Levantou-se e pé ante pé, dirigiu-se ao seu quarto, onde Tádzio ainda dormia, tranquilamente.
Despiu-se totalmente ali mesmo e entrou no banheiro. Era cedo ainda, havia tempo mais do que suficiente para um banho demorado. Foi o que fez. Para despertar-se plenamente, molhou-se com água fria. Findou o banho, enxugou-se e penteou os cabelos. Enrolado na toalha, entrou no quarto. Desta vez Tádzio estava desperto.
- Bom dia! – cumprimentou Tádzio.
- Bom, dia! – Joab respondeu. – Vai tomar banho agora? Se for, espero por você para fazermos o desjejum juntos...
- Não vai se atrasar?
- Não, é bastante cedo ainda... não são nem 6 e meia e eu só saio às 7 horas.
- Está bem, tomarei um banho rápido.- Disse Tádzio.
- Quer um outro calção?
- Este está bem, está limpo ainda.
Tádzio foi o para o banho e Joab ficou a vestir-se para ir à escola. Estava calçando as meias e os sapatos, quando o amigo retornou.
- Já? – Inquiriu Joab.
- Meu banho normalmente é rápido.
Foram à cozinha e fizeram o desjejum. Antes de sair, Joab disse.
- Fique à vontade, a casa é sua também. Deverei voltar da escola doze e meia.
- Tranquilo – colocou Tádzio – ficarei à sua espera para almoçarmos juntos.
Joab encaminhou-se à escola e Tádzio ficou na sala, assistindo à TV. Eram 12 e 35 quando Joab chegou.
- Oi, falou Joab – como passou a manhã?
- Inteirinha aqui sentado e vendo TV.
- Já tomou banho para almoçar?
- Ainda não! – respondeu Tádzio.
- Vá tomar seu banho, depois tomo o meu.
Tádzio num instante tomou banho e estava no quarto desnudo, Joab entrou.
- Está querendo uma roupa limpa, não é?
- Sim, agora é bom eu vestir uma limpinha. Você não se incomoda de eu estar usando seu vestuário?
- De forma alguma.
E foi ao guarda- roupa e deu-lhe uma bermuda.
- Cueca não precisa, estamos dentro de casa, assim não sujamos tanto, não é mesmo?
- Concordo com você, mas vá tomar seu banho que estou com fome...
Joab já havia tomado seu banho e ambos se fartavam à mesa.
- Sua mãe cozinha muito bem, sabia? Comida deliciosa, esta... – Elogiou Tádzio.
- Em nome dela agradeço.
E ambos riram. Ainda não haviam parado de rir, quando Elza adentrou à cozinha...
- Quem é este garoto lindo, amigo do meu filho?
Joab levantou-se num impulso e correu para os braços da mãe.
- Que saudade, mainha... Ainda bem que chegou... Ah, este é Tádzio, temos muito o que conversar sobre ele...
- Olá, Tádzio, que nome bonito! – Falou Elza.
Encabulado, Tádzio agradeceu.
- Muito obrigado, dona Elza, muito obrigado.
-Vou tomar um banho e também almoçar...
- Certo, mãe, quando você concluir seu almoço, nós conversaremos.
Elza foi para seu quarto. Trancou a porta, despiu-se e entrou em sua suíte. Nada demorou no banho, estava com a pulga atrás da orelha... O que estaria fazendo ali aquele menino? Joab não trazia amigos para dentro de casa assim em sua ausência. Alguma nova havia e ela estava “louca” para conhecer desta novidade.
Almoçou com vagar. Depois sentou-se na poltrona da sala e os meninos se aproximaram. Logo Joab discorreu sobre o assunto, relatando todos os detalhes que conhecia sobre Tádzio. Elza ficara perplexa, ao mesmo tempo bastante atordoada...
- Não sei o que dizer, Tádzio. Sua história de vida me comove, contudo é um grande abacaxi para ser descascado. Você não tem outros parentes da parte de seu pai ou de sua mãe?
Com os olhos vermelhos e com lágrimas pingando, Tádzio disse:
- Tenho, dona Elza, claro, mas ninguém quer saber de mim... Já fugi outras vezes para casa de parentes, porém me devolveram à minha madrasta.
- Que situação, a sua... Preciso pensar e pensar... Enquanto não tenho uma decisão formada, vá ficando por aí... Haveremos de encontrar uma solução... É complicado.
- O que a senhora fizer por mim, eu agradecerei. O que não posso é voltar de onde vim, desta vez serão capazes de matar-me... Tenho medo, muito medo...
- Tranquilize-se. Se não puder ficar com você, com seus familiares com quem vive é que não o deixarei mais ficar. Eles são desumanos.
E Tádzio mostrou as costas, comprovando os maus tratos de que era vítima.
- Entendo, Tádzio, isso é caso de polícia... o que percebo nisso tudo é tortura, e você ainda é uma criança, meu Deus...
Elza se levantou, volveu ao seu quarto e voltou arrumada para sair.
- Não irei trabalhar, meninos, irei ao escritório de um advogado amigo meu. A ele contarei seu caso, Tádzio e farei o que ele me orientar.
- Mãe, por favor, não esqueça... eu gostaria muito que você adotasse Tádzio... Gosto dele como a um irmão... Colocou Joab.
- Isto pesará em minha decisão, filho, mas não é coisa que se revolva do dia para a noite, temos de ter calma e agirmos dentro dos parâmetros da Lei.
- Eu sei que você tudo fará para manter Tádzio aqui conosco, eu sei que sim...
Elza mais nada falou. Tomou da bolsa e da chave do carro. Abriu a porta e saiu. Notava-se que ela estava um pouco apreensiva... Nunca se deparara com nada semelhante antes. Mas verdade que seja dita: Simpatizara igualmente com Tádzio, achava-o tão bonito quanto o filho, no entanto não podia ficar com ele dentro de casa sem ordem judicial. Isto traria problemas e problemas muito sérios...
AMANHÃ - O CAPÍTULO II