Quando concorreu ao prêmio na Academia de Dijon com o seu célebre “Discurso sobre as Ciências e as Artes”, Rousseau já expusera a sua visão critica sobre ambas. E o passar dos anos não lhe abrandou essa ótica negativa. Continuou, pois, com a opinião de que a restauração das Artes e das Ciências em nada contribuiu para a purificação do gênero humano, sendo, ao contrário, uma das maiores motivações para a sua corrupção.
Aquele trabalho teve vários trechos foram censurados e eliminados sumariamente, como, por exemplo, as passagens em que ele critica acidamente a tirania dos reis e a hipocrisia da igreja. O próprio subtítulo, “Liberdade”, foi suprimido.
Contudo, nem toda censura foi capaz de abafar suas críticas, especialmente à Literatura, porque ele as considerava como as principais causadoras da degeneração humana. De terem corrompido a “bondade natural” do homem, por serem um conjunto de elementos usados pelos ricos e poderosos como instrumento de propaganda e de escravização dos mais humildes.
Recorte do autor:
“Ao se assistir atualmente a angústia (que pode transformar-se em violência) que o consumismo frustrado causa nos indivíduos menos dotados intelectualmente e que, por isso, “necessitam” adquirir os últimos lançamentos tecnológicos; consegue-se enxergar com mais simpatia a posição de Rousseau. As cenas que hoje são mais comuns, certamente já existiam em sua época e é aterrador constatar a atualidade desse comportamento primitivo”.
Em sua opinião, a civilização foi diretamente responsável pela degeneração das exigências morais mais profundas da natureza humana, quando as substituiu por regras e leis ditadas pela superficialidade das convenções sociais. A uniformização de comportamentos, ditada por modismos artificiais, levou as pessoas a ignorar os reais deveres éticos e as próprias necessidades naturais, como bem sabem as senhoritas de salto alto e rapazes de gravatas apertadas.
Segundo o filósofo, a polidez pregada pela Diplomacia teria extrapolado a sua nobre missão de criar comportamentos que fossem compreendidos por todos os homens, independentemente de suas origens naturais e sociais, para se tornar uma sórdida manipuladora, que, ao ditar as regras de etiqueta, camufla as mais espúrias intenções e o egoísmo mais vil.
Para ele, a Civilização e suas filhas diletas, as Artes e as Ciências, ocultam terríveis maquinas de opressão e extermínio. Em suas palavras:
“Príncipes sempre viram com prazer a difusão entre seus súditos do gosto pelas artes e por supérfluos que não resultem em dispêndio de dinheiro. Portanto, além de facilitar essa insignificância espiritual tão apropriada à escravidão, eles sabem bem que as necessidades que o povo cria para ele mesmo são como cadeias que o une. (...) As ciências, as letras e as artes... atam flores ao redor das cadeias de ferro que o liga (o povo), sufoca nele o sentimento daquela liberdade original para a qual ele parece ter nascido, faz amar sua escravidão, e o transforma no que é chamado povo civilizado”.
No próximo capítulo veremos as considerações de Rousseau sobre o “Estado da Natureza”.
Lettré, l´ar et la Culture, Rio de Janeiro, Primavera de 2014.