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GESTORES DO APOCALIPSE

 
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Atualmente, parecem existir forças que atuam mais direcionadas em acabar com as Polícias do que envidar os esforços necessários para que sejam equilibradas as componentes em jogo e de cuja resultante vai depender a manutenção da harmonia e da paz social. Nessa casta encaixam-se perfeitamente tanto os inquisidores das CPI quanto os reformadores de plantão.

As atuais elites, os donos do poder, não têm condições de prover o povo da segurança preconizada pela lei maior e fartamente prometida nos palanques eleitorais. E sem todas essas condições de implantar políticas que venham a garantir a tranqüilidade adotam outra prática, no mínimo reprovável. Capitulam descaradamente e passam a ocupar uma posição mais cômoda e rentosa politicamente, qual seja lançar toda a responsabilidade sobre uma Polícia mal aparelhada, mal remunerada e desmotivada.

Completam as regras desse malfadado jogo retirando a cada dia mais o apoio institucional para a ação policial e estimulando as retaliações de tal modo que as freqüentes notícias de corrupção, violências e outros crimes, acabam por generalizar condutas, estigmatizando a ação da polícia e por via de conseqüência, a todos os policiais indistintamente.

Como sempre, os formadores de opinião a serviço dessas elites apenas deixam-se ficar contemplativamente no limite de suas teorizações. E num proceder mesquinho, estimulam o bombardeio à opinião pública com uma enxurrada de denúncias, autodenominando-se vigilantes da lei e da ordem, mas tudo leva a crer que não passa do fruto de requintada filosofia de botequim, um subterfúgio barato, estratagema para auferir dividendos. Faz transparecer propósito nitidamente de satisfazer paixões, contemplar vaidades, de promoção pessoal ou eleitoral, mas de certo, dissimulatório da realidade.

A denúncia é importante e é instrumento da democracia. Mas para que se resolva o problema da segurança o necessário é que se formule uma verdadeira política de segurança pública em vez de capitalizar politicamente a questão com denúncias que, apesar de causarem impacto, nada de útil acrescentam, uma vez que o resultado das apurações de fatos geralmente superficiais inviabiliza as punições e diluído o clamor inicial apagam-se das páginas dos noticiosos e da memória dos eleitores, restando apenas no discurso dos incansáveis gestores do apocalipse.

Afinal, a ninguém é dado o direito do exercício da ingenuidade a ponto de não perceber que a ação dos modernos Torquemadas pode não ser assim tão pura e desinteressada. A essa verdadeira chusma de acusações segue-se sempre a desmotivação dos verdadeiramente interessados, e entre eles, aqueles que arriscam a vida na defesa de outras vidas. Acusações públicas, denúncias, podem fazer parte da democracia, mas desprezam perigosamente as emoções dos indivíduos envolvidos nesses processos. Para aqueles que trabalham com ética e no caminho da lei, cada um desses é um episódio lamentável. Os desonestos não se preocupam e aguardam que os fatos desvaneçam-se, confiantes na procrastinação das apurações, na manutenção da impunidade, enquanto que os bem intencionados misturam sentimentos de revolta, de impotência e de vergonha de serem apontados, estigmatizados e discriminados pelos donos absolutos das virtudes, de todas as verdades e das vontades da população. Muitos se desesperam e acabam abandonando as instituições.

Algumas denúncias, principalmente de tratadas de modo irresponsável, podem vislumbrar crises. Mas crises desse tipo quando enfrentadas por homens e mulheres de caráter, como a grande maioria dos que formam as polícias, acabam por ser benéficas, conquanto restem como preparação para futuros embates. De crises como as aventadas, emergem apenas os que têm a personalidade forjada na dignidade e honestidade e o caráter lapidado na instância catalisadora da vocação diuturna de servir a comunidade, na incansável luta contra a criminalidade, sem aguardar maiores recompensas. Mais do que nunca se faz preciso aprender com as lições que a vida nos dita, atentos para as avaliações dos fatos ocorridos.

Denuncias sempre existiram e sempre haverão de existir, conquanto as forças policiais, por serem numerosas sempre estarão passíveis da ocorrência de distorções. Mas é necessário que todos os representantes das polícias, através das associações e sindicatos estejam atentos para que a busca por dividendos políticos não venha sobrepor-se de maneira a desviar o clamor público das verdadeiras questões que necessitam ser avaliadas, discutidas e resolvidas.

Queremos uma polícia renovada, com o fim das acusações públicas de ineficiência e corrupção. Buscamos uma política de segurança pública transparente e verdadeiramente bem intencionada e elaborada com responsabilidade, onde sejam observados aspectos como a qualificação profissional, a adequação dos recursos materiais e a valorização salarial. Deve sempre prevalecer a competência e a transparência. Mas não será como fênix ressurgida das cinzas que isso será obtido. Não é com o desmantelamento do aparato policial que se expiarão as culpas e ressurgirão somente os depurados. A responsabilidade deve ser compartilhada. Mesmo porque, a sanha purificadora dos modernos inquisidores não se contentará em desmantelar a polícia e após ter reduzido a pó o aparato policial, mudará seu alvo e passará a exercer seu patrulhamento em outros setores da sociedade até que, num final apoteótico de tragi-comédia, num último ato de opereta bufa, passarão a patrulhar e a punir a si mesmos, num dantesco festim autofágico, a caminho da destruição.















(LM.Remora é heterônimo de Luiz Antônio de Morais, Escrivão de Polícia, ex-Presidente da Associação dos Funcionários da Polícia Civil de Piracicaba)
 
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LM.remora
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