Rousseau foi um típico filósofo do Iluminismo, movimento filosófico que acendeu as luzes do conhecimento em substituição às superstições e a ignorância que permearam toda a Idade Média.
Diferenciou-se de Voltaire e doutros enciclopedistas por acreditar que a mente humana não estaria restrita à Razão, comportando, também, sentimentos, sensações, intuições, fé etc.
Criou, assim, um ideário que embasou o chamado “Movimento Romântico” que prosseguiu soberano por todo o século XIX e princípio do século XX e que avançou para além da Filosofia, espalhando-se pela literatura, pela escultura, pela pintura, dramaturgia, dança, música e outras formas de arte.
Uma característica marcante do Iluminismo Romântico foi a crença de que a civilização havia pervertido o homem natural; o “selvagem nobre” que havia vivido em perfeita harmonia com a natureza, livre da inveja, da cobiça, do egoísmo, da possessividade, do ciúme e doutros desvios de caráter que passaram a ser comuns em todas as sociedades civilizadas
Essa tese já estava presente no Pensamento de Montaigne e foi abraçada entusiasticamente por Rousseau que em sua obra “Discours sur l´origine et les fondements de l´inégalité parmi les hommes” a defendeu vigorosamente através da descrição ficcional do “estado natural do homem”, onde os indivíduos eram efetivamente iguais, não obstante serem dotados desigualmente pela natureza.
Eram iguais porque viviam isolados e, portanto, livres de serem subordinados a outrem mais forte e poderoso; e, porque, ao se evitarem mutuamente, como fazem os animais ao demarcarem seus territórios, evitavam os males decorrentes do ajuntamento de pessoas.
Apenas por força de cataclismos os homens se uniram iniciando o que se tornou conhecido como “a idade do ouro”, graças aos avanços verificados na vida em comum, com a conjunção de interesses e de esforços, apesar dos aspectos malévolos que surgiram paralelamente, como as guerras, as escravidões, as cobiças etc.
E esse lado sombrio mais se intensificou com a chegada do terceiro estágio da evolução humana, “a idade do ferro”, que fomentou o início dos cultivos e pastoreios e as noções de propriedade privada. Foi, então, que se abriu totalmente a “boceta de Pandora” e a corrupção da mente humana generalizou-se.
A teoria de Rousseau recebeu uma enxurrada de críticas e censuras por parte dos Religiosos e por parte de Pensadores de outras tendências, como os Enciclopedistas, por exemplo.
Os religiosos ressentiram-se, entre outros motivos, porque no ideário rousseauniano expurgava-se a ideia “Criacionista” que pregavam. Já os Enciclopedistas ressentiram-se porque o Pensamento do genebrino julgava nefasto o progresso oriundo do uso da Razão e por “sugerir” que a humanidade deveria abandonar a civilização e voltar a viver como antes da mesma. Voltaire, aliás, a esse respeito, fez uso de sua ferina ironia e disse:
“Ninguém jamais pôs tanto engenho em querer nos converter em animais. (...) (Ler Rousseau) faz nascer desejos de caminhar em quatro patas”.
Certamente, foi um exagero de Voltaire, pois o propósito de Rousseau era apenas o de combater os abusos e não repudiar os mais altos valores humanos. E como essa, as outras críticas nem sempre foram razoáveis ou justas, pois, em verdade o filósofo de Genebra nunca ventilou a ideia de o homem voltar ao estado primitivo, sendo a sua pretensão apenas buscar a origem das desigualdades sociais e econômicas para que medidas corretivas fossem tomadas para que se minimizassem os efeitos nefastos da marcha da evolução.
Para ele, a reversão dessas injustiças poderia ser feita com relativa facilidade se fossem tomadas algumas providências, dentre as quais:
a) Estabelecer-se a igualdade de Direitos e de Deveres Políticos para todos os cidadãos, independentemente de sua origem, fortuna, cultura etc. Estabelecer-se o respeito por uma “Vontade Geral” para se evitar o predomínio da vontade particular de grupos determinados.
b) Prover educação para todas as crianças, baseada nos princípios de Esparta; ou seja, devoção à pátria e austeridade física e moral.
c) Estipular-se um sistema econômico hibrido, combinando os recursos da propriedade privada com os recursos públicos, acrescidos de tributos sobre heranças e sobre o consumo de objetos de luxo.
Para Rousseau, esse tripé, acrescido das complementações necessárias, seria suficiente para que o homem resgatasse de suas origens primitivas, a revalorização dos Sentimentos em detrimento da Razão intelectual, glorificada naquela quadra de tempo como uma verdadeira deusa, capaz de tornar o homem plenamente feliz.
Seria, pois, desse modo, o retorno à natureza que ele propunha. Uma volta às origens autênticas que foram desfiguradas pelas convenções sociais e pelo artificialismo da vida civilizada. Um retorno contido ao campo da atitude, do comportamento; e não no sentido literal, com o abandono das cidades, das artes, das ciências etc. como diziam os seus críticos e inimigos.
Aos poucos essas suas ideias foram sendo aceitas mais facilmente e como os seus admiradores passaram a divulgá-las mais amiúde, o seu Sentimentalismo passou a ombrear com o Racionalismo de Voltaire, Diderot e outros, numa árdua disputa, sem vencedores.
Nos próximos capítulos adentraremos mais minuciosamente em cada um dos pontos de vista defendidos por Rousseau.
Lettré, l´art et la culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.