Depois de dois anos e meio sofrendo ofensas morais, Rousseau começou a sofrer ataques físicos, cujo ápice aconteceu em setembro de 1765 quando a sua casa em Val-de-Travers-Motiers foi severamente apedrejada durante a noite toda.
Seu temor, então, já caminhava para a franca paranoia e ele vivia aterrorizado ante a iminência de ser atingido pessoalmente ou de sua esposa sofrer algum atentado.
Nesses dias, recebeu a visita de uma amiga parisiense, Mme. De Verdelin, que lhe aconselhou a mudar-se para a Grã Bretanha onde poderia ficar em paz, haja vista que lá, o Clero não disponha de poder algum e a autoridade do Governo era limitada pela Constituição. Ademais, a amiga se dispôs a apresentá-lo ao grande filósofo inglês Hume (David – 1711-1776 - Escócia), que nessa época estava em Paris e que lhe seria de muita ajuda para a instalação.
E, realmente, poucos dias depois, ele recebeu uma carta do britânico, repleta de elogios à sua obra e com insistentes convites para residir em Londres.
Assim, logo após ter fugido da casa apedrejada e ter-se instalado provisoriamente na ilha de Saint Pierre, em Neuchâtel, no lago Bienne (de onde, alias, foi expulso poucas horas após chegar), ele tomou a decisão e com a ajuda do Príncipe de Conti, François Louis de Bourbon, que lhe conseguiu um passaporte especial, ele rumou para a Inglaterra nos primeiros dias do mês de Janeiro de 1766.
No novo país, Rousseau recebeu de Hume toda a atenção e ajuda necessária. Foi-lhe ofertada para morar uma aprazível residência no campo, pertencente a Mr. Davenport e lhes foram apresentados os maiores intelectuais da Corte. O casal instalou-se confortavelmente na casa chamada de Wooton, e Rousseau escreveu uma longa e sincera carta de agradecimentos ao novo amigo.
Durante certo tempo a amizade entre ambos floresceu, mas um incidente tolo provocou o rompimento entre ambos e o retorno de Rousseau à França.
O fato originou-se de uma pilhéria de mau gosto feita pelo criador do gênero “romance gótico”, Mr. Horace Walpole (1717-1797, Inglaterra) que escreveu uma carta falsa, atribuída a Frederico, rei da Prússia, com um convite para que Rousseau fosse residir na sua Corte, em Berlim, gozando de altos privilégios. O genebrino, ao vê-la publicada no jornal “St. James Chronicle”, logo desconfiou da autenticidade do convite e atiçado por sua paranoia acusou injustamente ao amigo Hume pela zombaria. Obviamente que Hume ofendeu-se com a injustiça e contra-argumentou através de um Artigo, deplorando o seu comportamento ingrato.
A troca de farpas entre ambos acirrou-se de tal modo que acabou se tornando um verdadeiro deboche e sob tal pressão não restou alternativa a Rousseau senão voltar à França, onde se escondeu, sob o pseudônimo de “Renou”, no castelo de Trye, próximo a Gisors, graças à generosidade de seu amigo, o Príncipe de Conti, proprietário do lugar. Enquanto esteve ali, Rousseau viu o seu “Dictionnaire de Musique” ser publicado, após ter-lhe custado anos de trabalho meticuloso.
Esperançoso de que aquela publicação pudesse favorecê-lo de algum modo, deixou Trye atabalhoadamente, em junho de 1768, e foi para Bourgoin, próxima a Lyon, onde oficializou seu casamento com Thérèse de Vasseur, sua concubina de longa data. Logo após, foi para Monquin, escrevendo nesse interregno “As Confissões”.
Em 1770, decidiu defender-se das acusações que lhe eram assacadas e foi para Paris com essa finalidade, porém, ao chegar logo percebeu que não seria molestado e, então, reassumiu seu nome de batismo.
Sentindo-se mais confiante a cada dia, Rousseau voltou a frequentar os salões sociais onde lia com certa frequência trechos de sua obra “Confissões”, causando, com essas revelações, um verdadeiro escândalo e alguma hostilidade entre os ouvintes. Por fim, o desconforto atingiu tamanha proporção que a sua ex amiga, Mme d´Épinay, exigiu que o chefe de polícia o proibisse de prosseguir com as leituras.
Em 1771, trabalhou para um grupo de nacionalistas poloneses pesquisando e escrevendo sobre as maneiras de como eles deveriam proceder para reformarem as suas Instituições. O resultado final do trabalho foi objeto de sinceros elogios e, depois, foi compilado e publicado com o título de “Considerations sur le Gouvernement de Pologne”.
Em 1775, já aparentando algum desequilíbrio emocional, voltou a tratar de si mesmo na obra “Rousseau juge de Jean Jacques: dialogues”, cujo mote é a sua tentativa de justificar seus atos perante a Sociedade. Em dezembro desse mesmo ano, quis “deixar a obra sob a proteção divina” e para isso tentou enterrar um exemplar da mesma sob o altar da Catedral de Notre Dame, sendo impedido, no entanto, por uma grade de ferro. Sua paranoia, ante o empecilho, atingiu o paroxismo e ele se pôs a gritar que o próprio Deus juntara-se aos seus inimigos (sic). Foi o seu último ato público.
Recolhido em sua casa, na companhia apenas de Thérèse e de eventuais jovens que o visitavam ocasionalmente, ele se dedicou ao seu último livro “Devaneios de um caminhante solitário”, que para muitos é o seu trabalho mais suave e sereno. Nele, ele escreveu sobre a natureza dos sentimentos humanos em relação à natura física, concreta.
Em maio de 1778 mudou-se para Ermenonville, numa propriedade do Marquês René de Girardin e passado pouco mais de um mês, faleceu. Foi sepultado na Ilha des Peupliers, no lago de Ermenonville e, posteriormente, durante a Revolução, os seus restos mortais foram transladados para o Panteon, em Paris.
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Sobre Rousseau pesa um dos piores erros que qualquer Ser vivo pode cometer: o abandono da própria cria. E talvez pela magnitude dessa terrível falta, os seus muitos acertos pessoais ficaram para sempre ofuscados.
Entretanto, nem mesmo essa sombra deslustrou o seu brilho intelectual. Com efeito, a ele a humanidade deve o necessário contraponto ao Materialismo que quase abarcou completamente o Iluminismo, com o risco, inclusive, de apequená-lo. Graças à sua inteligência superior e a sua coragem em nadar contra a corrente, a tendência incorporada em nomes consagrados como os de Voltaire, Diderot e outros não se tornou absoluta.
Graças a ele, o “Século das Luzes” não se tornou apenas o “Século da Razão”, com a lastimável perda da metade sensível, sentimental, intuitiva que complementa a grandeza humana.
A Rousseau e a seus continuadores, pois, a humanidade deve a permanência dos valores que não podem ser mensurados, mas de cuja importância não se pode duvidar.
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Nos próximos capítulos faremos considerações pontuais sobre as ideais e obras do chamado “Filosofo do Romantismo”.
Lettré, l´art et la culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.