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Eu ganhei asas pretas
invisíveis ao olho cru.
Quem puder me ver
alado como cometas
também me verá nu.
Eu ganhei asas pretas
de um anjo descaído -
que é caído mas está subindo -
para onde nem se lembra mais.
Minha nudez
é a ausência da memória do anjo
que chorou, uma a uma,
as penas das minhas asas,
pelo fatídico dia da queda.
Nenhum dia após a queda.
Só noite.
Só pena.
Só dó.
As penas da minha asa
são dilemas,
desassossegos do anjo poeta,
demônio arrependido,
asceta
com a seta para cima
do sol,
do céu,
apontando sua ilusão de paraíso.
Já foi Pasárgada.
Já foi o ventre.
Shangri-la
e o sol poente...
O céu do anjo é o desejo.
O querer de cada dia.
Pão que engulo a seco
para nutrir minha fome de tédio.
Abro minhas asas negras
mais corvo que morcego,
mais anú que qualquer coisa,
pelado.
O anjo me olha da beira do quarto.
Sua voz é o riso de uma rabeca
me contando
o quanto sou estúpido
(e também belo),
com as penas dele
e sem pena de mim.
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