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Poeta castrado não

 
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Ary dos Santos,José Carlos Pereira, Lisboa 1937-1984, poeta e declamador.


Zita Viegas















 
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atizviegas68
 
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Enviado por Tópico
Gyl
Publicado: 23/10/2014 17:24  Atualizado: 23/10/2014 17:24
Usuário desde: 07/08/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 16148
 Re: Poeta castrado não
Parabéns pela escolha do texto para postar por aqui. Li e adorei. Poeta castrado, não! Valeu/1


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/10/2014 17:43  Atualizado: 23/10/2014 17:43
 Re: Poeta castrado não
Gostei, recado dado com precisão e melodia.
sds.