Poemas : 

SEM PAPEL

 
SEM PAPEL
 


Um paciente no hospital não exerce nenhum papel social, a autoridade de sua fala é nula, sem potencial persuasivo. Um bom paciente respeitando a lei do silêncio cala-se ou fala como um tagarela, cujo discurso nada revela! O discurso do sujeito paciente tem certa força de persuasão quando informa ao médico os sintomas da doença que o atinge; nesse caso sua fala tem certo poder de influenciar o facultativo na elaboração do diagnóstico, que de modo bastante positivo, se junta ao resultado dos exames, compara-se é faz-se o prognóstico. Contudo, a experiência de uns dias internado num quarto de hospital dá para aproveitar e fazer algumas observações, cada qual na sua área de atuação, de conhecimento, enfim, naquilo que lhe apraz.
Eu, enquanto professor de português e um curioso interessado na vertente da linguística denominada Análise do Discurso, fiz minhas deduções. Partindo do que dizem os especialistas nessa área do conhecimento, os quais afirmam ser possível ver através de um discurso, tendo um pouco de sensibilidade, a alma desnuda do enunciador e bem mais que intencionalidade: vê-se claramente, seus valores humanos, sua postura ante a vida. O gênero, o estilo, o tom e a carga emotiva são a força discursiva. Por um longo tempo, exerci o papel social de professor, quando, repentinamente, passei a ser mero paciente em um hospital; acostumado a ser tratado pelo codinome professor, o que muito me orgulhava, passei a ser chamado por todos de Seu; seu Manoel para cá, seu Manoel para lá. Tal tratamento era-me quase afronta; ofendia-me profundamente, como que tirasse minha individualidade e me jogasse numa generalidade sem tamanho: todo homem a partir da meia idade é Seu. Então, tratar de Seu um homem na minha idade, é o habitual, não é desvio da norma; é um recurso criativo da língua informal. Pensado nesses pressupostos, passei a aceitar melhor o codinome Seu até que, por fim, assimilei o papel de Seu, agora, até gosto de ser chamado Seu, é normal e, quando me chamam professor, sinto que isso é que já ficou fora de contexto. Contexto, essa a palavra chave para tudo na vida, sem contextualizar, tudo parece estranho e até errado e, quando se trata do uso da língua, isso é muito mais verdadeiro! A língua é resultado de uso dentro de determinado contexto, por isso, os jargões, os dialetos, as gírias, os níveis de uso da língua, a linguagem coloquial, a informal, a gramática etc.
Assim, venho descobrindo a interessante arte de reinventar discurso; passei a produzir um discurso mais polissêmico, por ser necessário à minha sobrevivência ou, quando menos, à minha boa convivência. Muitas forças compõem um discurso: o mágico poder do verbo. E urge sejam todos os modos de fala respeitados e entendidos como produto de uma realidade sócio-histórico-cultural. Agora, puxando a “sardinha para o meu prato”, como professor de português, penso e gostaria de ver a língua portuguesa sendo falada e, principalmente, escrita de maneira mais escorreita ao menos por aqueles que tiveram a oportunidade de terminar ou estar cursando o Ensino Médio! Porém, que a língua nunca seja motivo de preconceito e discriminação e que valha aquela indicação: quem sabe mais tem obrigação de entender melhor.






Manoel De almeida

 
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ManoelDeAlmeida
 
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