Textos : 

Verdes são as folhas

 
Estavam nuas faz pouco tempo, esqueléticas na sua forma em ramos esguios. Olho-as de baixo para que vejam através da sua altivez, a minha pequenez. O chão está sempre de colo aberto à mínima escoriação do tempo. Sofre de tantas penas esta sôfrega manhã de Primavera, e eu caminho assim, meio desatinada pela beira da estrada. O céu indica-me as horas, mas de nada vale saber se há horas certas nesta cálida manhã.

Encontro-me assim entre a nudez da alma, e a coloração de um verde-esmeralda, que em determinada parte do meu corpo se prepara para esculpir os sonhos, enaltecendo os olhares que amortecem as correntes do rio. Esta espera traz sempre novos ventos e outras investidas no cais, aparentando nobreza e fortalecendo as tábuas do passadiço. Abandono-me ao tempo em que não me cansava de contar as estrelas lá na minha aldeia:

- Há o “nascer do Sete-Estrelo”, que quando se avista por detrás do monte, será hora de encaminhar as águas;
- Há o “por da Estrela” que é a hora exacta na madrugada em que ela se vai, orientando o seguimento de outras águas, que descem da serra;
- Há a contagem das horas através dos raios solares, que esbarrando no morro escarpado pelo tempo, é também hora de acrescentar mais umas horas às águas que passam;
- Há o "meio-dia do sol", quando este atinge um ponto no firmamento, que é uma e meia da tarde - formas de contagem do tempo pelos antigos, para se calcularem os movimentos que aquele pedaço de terra dava à volta do sol.

Viver entre quatro paredes é o mesmo que viver enclausurada numa cidade que sustenta a solidez do mundo acompanhado das chuvas ácidas. O horizonte é vasto e eu por aqui, de solstício em solstício, sem saber por onde encaminhar os meus passos.

Dava-lhe tudo de mim se mo pedisse, se não me rejeitasse, se não me encandeasse com esse seu brilho meio atordoado de uma vida gasta por sujeições do destino. De que adianta esmiuçar a minha dor, a minha permanência, se só será eu, quando souber ser ele? Pode virar-me do avesso, mas só encontrará o refugo daquilo que fui, porque a cada momento me renovo com o nascimento de novas flores, para vestir as palavras que escrevo. Sabem que são alimento do meu corpo e trajes da minha alma?

Queria tanto voltar a ser poeira das estrelas em direcção ao sol.

Apesar das diferenças de todos os momentos casados por excelência com a obliquidade de uma esfera gasta, que me volteia a consciência, entro sempre pela porta da frente. O términos de uma vida onde operam em grande escala, todos os sentidos, a conjugação necessária que fará surgir o Verbo iniciático de um Deus Maior.

Sobrevivo sempre a novos temas, mas este corpo avesso a tudo o que o tempo traz, deu um volte-face desagregando as noites e purificando os dias, do mais puro néctar que a vida tem para lhe dar. Caminhamos assim contrariamente à emancipação da única verdade que nos faz ser, seres invulgares e diferenciados na terra que nos revolverá às cinzas, e de lá, nos fará renascer únicos na forma. Só assim poderemos encetar novos voos por entre os dedos das nossas mãos, porque são eles, um reflexo laminar do tempo que nos resta.

Verdes são as folhas e nelas me deito até à próxima investida do Outono.

Dolores Marques 2010 (Ônix "A Voz do Silêncio"
 
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ÔNIX
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