CONFISSÃO
Eu me confesso a Deus,
Deus que está nos céus,
Que é amor,
Que é perdão.
Porque me puseste, Senhor,
Esta dor enorme
Em meu coração?
Tu e eu
Sabemos bem
Que esta dor
É de amor,
Mas não daquele amor
Que Tu pregaste,
Ensinaste,
Falaste,
Louvaste
Praticaste.
É um amor diferente daquele
Que em mandamento transformaste:
«Amai-vos uns aos outros
Como Eu vos amei»
E eu sei
O que é esse Teu amor.
Dentro de mim
Há dois amores:
O que Te tenho
E o que tenho a ela.
São distintos,
Mas são os dois famintos:
Um, por Ti que me dás, deste e darás tudo:
A vida,
A alegria,
A família,
Os amigos, o sol e as estrelas
A lua no céu
E ainda – não te esqueças
Que me deste
Aquela criatura,
Toda bela, toda formosura
Toda primavera e linda.
Mas este amor Tu condenas.
Deus,
Sabes bem
Que quando meu dia está finando
Destas duas coisas me estou sempre lembrando:
De Ti e dela.
A Ti que és meu Deus e meus Amigo
A Quem eu falo e digo
Deste amor, de facto e pensamento.
E rezo por mim
E peço por Ela
Para que seja feliz,
Para que encontre a felicidade
Embora, se o quiseres, longe de mim.
E embora ela me deixe
A horrível dor da saudade,
E ainda que distante,
Sempre amante,
Sempre impossível
Com seu belo corpo inatingível
Que em pensamento
Só é e será meu
Porque foi o meu céu.
Tu, ela e eu,
Todos sabemos que és perdão:
Perdoaste ao ladrão,
Ao filho pródigo,
E a Pedro que Te negou,
A Pilatos que Te condenou,
Lavando as mãos,
À Madalena,
Aos que na Cruz Te ergueram,
E ao centurião
E ainda àquele que com a lança,
Trespassou Teu coração.
Perdoa-nos meu Deus,
A nós dois, pobres criaturas
Que nos amamos e nos demos.
E a vós irmãos?
A vós não me confesso,
Por uma coisa só:
Porque trazeis já pedras em vossas mãos?
Para nos julgar?
Para nos matar?
Alheios e com ódio às nossa dores?
Alheios à sublimidade de nossos amores
Tão loucos e tão grandes que até tocam os céus?
Um perdão para tal amor
Só pode vir de Deus.
Se não amastes, não podeis julgar.
E se amastes, vós também pecastes.
Portanto, não julgueis.
Atirai as pedras fora
Como outrora.
Perante nós,
Inclinai a cabeça e olhai o chão.
O que ledes?
Limpai antes nossas lágrimas de amor,
Nesta hora,
Cheias de dor,
Ferventes e quentes como a lava do vulcão.
E tende de mim e dela compaixão.
Tirado do meu livro Recordações