Álvaro de Campos escreveu, no seu poema “Lisboa com suas casas”, acerca das cores das casas de Lisboa e encontrou nelas apenas monotonia. Desafiando a opinião do poeta, este é um olhar sobre as cores de três dos mais típicos e intimistas bairros de Lisboa. Abram-se os olhos, então, para as cores da Mouraria, da Graça e de Alfama.
As Escadinhas da Saúde, com o Martim Moniz a seus pés, não me enganaram: um olhar de relance, ainda cá de baixo, e tive a certeza de que o caminho a partir daqui seria feito sempre a subir. Quando cheguei ao topo das escadas, no coração da Mouraria, fui recebida por dois grisalhos cabelos à janela: o Sr. Henrique e a sua esposa, que me ajudaram a orientar a caminhada. A subida pareceu imediatamente ter valido a pena, já que este encontro fortuito indiciava que estes seriam bairros cheios de gente simpática e hospitaleira.
À direita da janela do Sr. Henrique, a rua levou-me desde a Mouraria até à Graça. Aqui, ao subir a Calçada de Santo André, encontrei pela primeira vez os carris do amarelo eléctrico nº 28 - o circuito emblemático pela zona histórica de Lisboa e trazia muitos turistas de máquina fotográfica preta ao pescoço. Com o amarelo eléctrico misturavam-se os lilases, os vermelhos e os verdes dos grafitiis nas paredes que serviam como pano de fundo à sua passagem, num verdadeiro banquete cromático.
A cor da pele das pessoas também enriqueceu este banquete: um turbante branco numa pele cor de canela e o negro na pele de quem passava por mim acrescentaram ao pacato bairro lisboeta uma pitada de excentricidade e exotismo. Os azuis e brancos meios de transporte indianos, os tuc-tucs, também por aqui circularam, e eram uma das recentes atracções turísticas nestes bairros onde o subir e o descer por ruas íngremes era uma constante.
Voltei à esquerda, para subir pelo chão preto, branco e cinzento da Calçada da Graça, que me levou ao Miradouro Sophia de Mello Breyner. A placa dourada reluzente, afixada num dos muros, não deixou margem para dúvidas acerca do seu verdadeiro nome, mas este miradouro continuava a ser conhecido por todos como simplesmente... Miradouro da Graça.
Na esplanada do Miradouro, o amarelo das cervejas passava incansável à minha frente, assente e tilintante nas bandejas prateadas dos empregados do quiosque. Os turistas adensavam-se aqui, à volta de uma bebida refrescante e à sombra das árvores frondosas. Os vendedores com negro na pele aproveitavam para tentar vender azulejos pintados de várias cores. E havia ainda muito mais para ver.
O Miradouro tinha também as cores de Lisboa inteira, no qual se precipitava. As casas que podiam muito bem ter servido de inspiração ao poeta - as casas laranja, azul berrante, verde gritante - saltaram-me à vista, e ouvi o poema “Lisboa com suas casas / De várias cores... / Lisboa com suas casas / De várias cores...” a passar na minha mente... E mais tipos de cor haveria, até ao Rio Tejo – num caminho, agora, sempre a descer.
O amarelo do eléctrico continuava acompanhar-me para dentro do bairro de Alfama, contrastando com as mil cores das roupas estendidas nas varandas. De uma janela entreaberta, com ripas de madeira verde e fazendo lembrar uma porta de um saloon num filme western, saía uma música cor-de-rosa de Yann Tiersen, um piano doce saído do filme da Amélie Poulain. O som cor de metal das badaladas do sino da Igreja de São Vicente de Fora fez-se ouvir, ao mesmo tempo que com o olhar encontrei o verde, o amarelo redondo e o vermelho de uma bandeira muito familiar, na janela de um segundo andar.
Na Calçadinha do Tijolo, um senhor à porta de uma mercearia com caixas de maçãs vermelhas e de alfaces verdes ajudava o condutor de um automóvel cinzento a fazer uma curva apertadíssima. Foram assim íngremes, escorregadias e sempre a descer as ruas que me levaram até se ver o azul magnético do Rio Tejo e a vermelha Ponte 25 de Abril.
O Rio Tejo e a Ponte 25 de Abril pareceram, depois desta caminhada, conter em si todas as cores: a roupa estendida nas varandas de Alfama, o cabelo dos habitantes mais idosos da Mouraria, os turbantes da Graça e o eléctrico.
A visão do poeta não se confirmou... Cidade de uma diversidade cromática que se torna num frugal banquete para os sentidos, Lisboa nunca conseguirá ser, apenas e só, monotonia.
Shepherd Moon