Era uma aldeia igual a tantas outras. Pequena, com poucas casas espalhadas em volta de uma minúscula capela cujo sino tocava todos os dias à mesma hora a chamar os do costume para a homilia sagrada. Daí a nada, a capela enchia-se de gente cheia de rugas no rosto e mãos rudes e calejadas a denunciar as agruras de uma vida. Dos novos ninguém queria falar, limitando-se a dizer, se alguém perguntasse, que tinham ido embora há já muito tempo.
O cemitério tinha o portão fechado com uma grossa corrente e um grande cadeado a prender-lhe as pontas. Já ninguém morria por aquelas bandas desde que o último fora enterrado ía para mais de trinta anos...
Esqueceram-se que existiam e que de vez em quando também era preciso morrer. Mas se ninguém nascia, porque haveriam de querer morrer se estavam bem assim, uns com os outros.
Graciana, uma das mulheres da aldeia, todos os dias, ainda de madrugada, amassava o pão à luz da chama do candeeiro de petróleo pousado em cima da mesa onde tendia e dava forma às pequenas bolas de trigo. De cesto no braço, pela linha onde o comboio já não passava desde o último que se avistou a desaparecer sob um rasto de fumo há mais de duas décadas, Graciana caminhava devagar até à loja do seu compadre Justino a tempo de o apanhar ainda a abrir as pesadas portas pintadas de verde desgastadas no fundo pelas tempestades de uma vida inteira. Arrumava os pequenos pães numa das prateleiras vazias enquanto Justino moía um pedaço de café que ambos haveriam de tomar lá fora, sentados no banco, em silêncio, a ouvir o chilreio dos passarinhos sem tempo a perder.
Certo dia, vestiram-se a rigor. Os homens vestiram os seus melhores fatos e puseram chapéu na cabeça e as mulheres os seus vestidos rodados de folhos nas mangas e as suas echarpes pelos ombros. Trouxeram uma grafonola que colocaram em cima de um muro no largo da aldeia e colocaram-lhe um disco a girar sobre o prato. Era um "Passo Doble" antigo, que todos fizeram questão de dançar. Curiosamente havia pares para todos e sempre que a música terminava alguém se aproximava da grafonola e voltava a meter a agulha no princípio. Gostaram tanto que passaram a determinar uma noite em cada mês para o baile.
Esta é a história dos que só existiam porque não eram lembrados. Uma história parada no tempo, onde o passado se confunde com o presente. Uma história onde o futuro não se encaixa. No fundo, esta é uma história de mortos...