Poemas : 

O POETA DA LUA 10 A 12

 
O POETA DA LUA
Romance de António Casado
Capítulo primeiro – pág 10 – 11 - 12

CAPÍTULO PRIMEIRO


- Que vida é a tua, Alexandre? Faltas à escola, não estudas… não fazes nada! Só pensas fumar e andar com esses amigos de ocasião até de madrugada. Ainda és muito novo para isso. Pensas que por teres essa altura és um homem? Não és! Se não me ouves pode ser que escutes o teu pai.
Alexandre emudeceu. Não sabia o que argumentar.
- Eles não são amigos de ocasião e sei muito bem o que quero. Para casa do meu pai não vou!
- Que pretendes então? Que a mulher que vive com o teu pai diga que nem te educar soube? É isso?! Queres que humilhar-me? Diz-me! Que posso fazer?
Um silêncio de facadas e dores abateu-se sobre os dois como as asas afiadas de um condor cortam o ar. Alexandre esforçava-se por encontrar uma solução no emparedamento em que a mãe o colocara. O pai já o expurgara da sua vida. Agora… a mãe?! Tratava-se do seu futuro. Um futuro que até aí não tinha passado dos planos do dia seguinte. Viu-se forçado a acrescentar horas ao relógio. Tudo lhe parecia vago e distante como uma miragem num pesadelo.
- … E se prometer que passo o ano…? – Propôs a medo com os olhos vincados no chão e a voz esbatida pela tristeza.
Maria dos Anjos respirou fundo.
- Este ano é impossível passares Alexandre e sabes disso. A escola está a acabar. Mas para ti o problema é só esse, não é? – O rapaz acenou afirmativamente com a cabeça. – É mais grave, filho. Por isso é que estou triste… Aproveitaste-te da minha doença para fazer o que quiseste. Nem por um momento te preocupaste comigo. Estás de mal com o teu pai e é em mim que te vingas como se eu fosse a culpada de tudo…
- Não é isso! – Cortou apressadamente.
- Então é o quê?!
Aproximou-se dela e abraçou-a com quanta força tinha. Há quanto tempo não sentia aquele corpo quente junto ao seu! Uma carinhosa mão afagou-lhe os caracóis castanho-claros e rebeldes. Por momentos sentiu-se invadido por uma asa de paz trazida pelo doce cheiro daquela mulher mediana, mas forte de estatura. Sentiu saudades daquele coração a pulsar junto ao seu peito.
- Filho, não quero que penses que te abandonei… porque nunca o fiz. – Disse com o ar mais maternal que a sinceridade conseguiu encontrar. – Compreendo a tua revolta em relação ao teu pai… ele até podia ter ido com aquela mulher mas nunca devia ter esquecido que tinha um filho. Quanto a ti, não é fazendo o que fazes que chamas a sua atenção. Eu orgulho-me de ti. Os professores elogiam-te. Olha-te agora… Pareces um farrapo! Até os versos deixaste…
- Como sabes isso? – Perguntou a curiosidade de Alexandre.
- Pensas que não lia o que escrevias? Não me conheces… Foram os teus poemas que me deram algum alento na depressão. Quantas vezes os li e reli como que para ganhar coragem para enfrentar o que sentia…!
Uma lágrima rasgou-lhe o rosto. A amargura assemelhava-se à mordedura de uma cascavel. Fechou os olhos. Era imperioso não reavivar o sofrimento.
Alexandre sentiu-se frágil e impotente perante aquela intrusão no seu mundo mais que privado. O que escrevia na confidencialidade do quarto não era para ser lido por ninguém, nem pela mãe. Quando escondia os textos na última prateleira da estante do quarto visava isso mesmo, sigilo.
- A escola deixou de me interessar…
A verdade vestia aquelas palavras sinceras e moderadas. A vontade de saber, de aprender, perdera-a algures num ninho de pintassilgos entre uma árvore e outra fora do recinto da escola.
- Faz um esforço, só um! – Implorou a mãe. – Irei esforçar-me para que te sintas melhor. Mas antes de te deitares aviso-te: Se o teu comportamento não mudar farei o que te disse. Só quero o melhor para ti, filho.
Deitou-se. Não conseguia dormir. A realidade acentuada pela mãe inquietava-o. Apercebeu-se que deixara pelo caminho os objectivos. Não eram muitos… eram os seus! O prazer de escrever definhara num mar sem tempo onde corria de um lado para o outro à procura de não ter tempo para pensar, para julgar, para sofrer. O convívio com a madrasta assumia um aspecto vampírico e atormentava-o como se uma terrível ave de rapina o perseguisse e lhe retirasse a oportunidade de fugir. Ir para casa do pai? Impensável! Ela odiava-o! De uma coisa tinha a certeza - nunca mais teria paz. Neste momento estavam em causa os cacos do que fora a família.
A partir desse dia começou a escrever notas em pedaços de papel. Quando saía deixava-os sobre a pequena mesa no átrio de entrada. Entre os textos sobressaía de forma continuada a mensagem “nunca serei um farrapo”! O comportamento alterou-se. Passou a frequentar as aulas embora nunca mais conseguisse ser o aluno que fora. O desinteresse apegara-se à pele como lepra e não permitia que a cura triunfasse. Acabou por completar o Ciclo Preparatório em 1973 com médias inferiores às que habituara mãe e professores.
Contra todas as expectativas entrou para a Escola Comercial e Industrial de Setúbal com treze anos. Um edifício enorme na baixa da cidade com longos corredores altos caiados de branco. Cada um deles com várias salas de aula. Fascinava-o o átrio! Uma pintura frente à porta de entrada representava algumas figuras históricas quinhentistas. Reconhecia Tristão da Silva, D. Henrique, Vasco da Gama entre outros. Referências marítimas de um país expansionista. Também lá estava o astrolábio a fazer menção ao desenvolvimento da matemática e das ciências náuticas… Um expoente da sabedoria portuguesa! Detinha-se muitas vezes diante daquele colorido painel e sonhava com viagens e naus…

 
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