Crónicas : 

PSICANALISE

 
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PSICANÁLISE

Uma vez, quando eu tinha 25 anos, comecei a fazer psicanálise. Fui mais por curiosidade. Na verdade não havia nada na minha vida que me preocupasse assim tanto que tivesse que pedir ajuda a um profissional... No entanto, lá fui eu.
Cheguei ate a deitar no divã (como nos filmes). Mas não conseguia me abrir completamente.
Devo ter ficado uns 3 meses? Quase isso. E um dia o psiquiatra me disse: “Olha, acho que você no momento não precisa de psicanálise. Todos nos temos nossa vida como um bolo, toda repartida em fatias. Você consegue agora separar perfeitamente e definir essas fatias".
Fatias...
Fiquei a pensar sempre nas fatias desse bolo. E pensando se esse psiquiatra seria realmente um bom psiquiatra ao me “dispensar”, e me deixar na mão um bolo (seria de chocolate?) - cheio de fatias...

Aqui nos Estados Unidos estava passando por uma fase muito difícil com minha filha adolescente. Nada escabroso, apenas adolescência... (acho que vocês sabem o que quero dizer). Um dia brigando com ela, comecei a jogar as coisas em casa, chutei a porta do banheiro e abri um buraco,
fui no meu medico pedir um calmantezinho...(risos) e ele me mandou para uma psicóloga.

Lá estava eu novamente deitada no divã, falando do meu bolo de chocolate...

Só que desta vez ele não era tão gostoso...Mergulhei em muitas profundas reflexões, voltando até o tempo de criança, e percebi muitas coisas. Certas reacões que eu tenho ate hoje, que foram marcadas pela minha infância. Também, isso não e novidade alguma, pensando bem, quem não tem?

O gostoso dessa psicanálise é que eu fiquei muito amiga da Medica. Dizem que a gente não pode ser amigo de Psicólogo, então todo tempo eu dizia a ela isso... ela ria muito.
Eu dava-lhe abraços calorosos na minha chegada. Trouxe pão que fiz em casa de presunto e queijo, e até brigadeiro.

Havia horas em que eu me via perguntando coisas dela (risos) e eu via que ela sempre voltava ao meu assunto, delicadamente.
Nela eu consegui ficar 1 ano... mas sai novamente com as minhas fatias... Desta vez quem sabe, o glacê do bolo estava mais firme... o recheio mais bem distribuído.

Mas percebi que eu levaria essas minhas fatias a vida toda...porque essas fatias são a VIDA. Por mais que saibamos separá-las, sempre haverá momentos em que elas novamente se juntarão em um não tão delicioso bolo inteiro.

Percebi que eu não sirvo para deitar em divã...não sirvo para repartir bolo de chocolate, percebi que não consigo dizer coisas que estão muito dentro de mim, talvez coisas que "eu nem sei o que são", outras que sei e não quero dizer.

Psicanálise de fim de ano...

Todo ano quando termina o ano ficamos pensando: "o que não fiz esse ano?" "o que eu poderia ter feito melhor?" "no que falhei?" "o que posso melhorar?".

Então minha teoria das fatias, volta novamente no bolo, mas esse bolo que a criança come e se lambuza...

Essa inocência em comer o bolo, nem pensando nas fatias... Apenas sentindo o gosto do chocolate na boca, lambendo com os dedos a cobertura...roubando as cerejinhas...

(Lembrei-me agora de um fato da minha infancia...minha mãe havia comprado um ovo de pascoa para cada um de nos. Deixou o meu em cima da cristaleira da sala. De repente procurou-o e nao achou. Ficou me chamando, ate que me viu sentadinha no portao. Ai me chamou: "Maria Ines, voce viu aquele ovo de Pascoa que estava em cima da cristaleira?" Eu virei com a cara toda "marrom" de chocolate e disse: "Nao vi nao"...risos).

Assim que é a vida...descobri na minha psicanálise pessoal (olha que chique!) que talvez o que o primeiro psiquiatra tentou me dizer, é que eu na verdade sei como administrar o bolo, mas eu acho que ele é inteiro.
Sabem por que?

Eu administro a vida, entrando nela de cara. Inteira. Sentindo todos os momentos possíveis e imagináveis.
Pronto! Descobri! Eu vivo meus momentos em fatias...sentindo o gosto de cada uma, em situações diferentes.

Então assim vou indo, sentindo cada coisa que faço. Muitas vezes tenho uma sensação estranha que devo sentir aquilo que estou fazendo, porque talvez seja a ultima vez que eu faca.
Então vocês poderão pensar: "nossa que deprimente!". Mas não é! Vejo como um modo de valorizar as pequenas coisas que normalmente passamos por cima como se elas fossem dadas por Deus de uma forma obrigatória.

Mais ou menos assim: sabe aquelas pessoas que quando ficam doentes, começam a olhar as coisas com outros olhos? Eu não quero esperar eu ficar doente para olhar as coisas assim. Quero olha-las AGORA que tenho saúde, que posso admira-las. E que posso agradecer por elas.

Um dia desses fiquei a pensar um pouco no modo que alguns americanos se portam. Sinto uma admiração muito grande pela cultura deles em muitos pontos, (mas muitos!) e principalmente como eles encaram a morte. Eles tem uma forca interior, algo que eu não sei explicar em palavras. O pai de uma amiga minha esta com câncer no pulmão. Ele tem 92 anos. Foi ao medico e descobriu agora no fim do ano que o câncer esta se espalhando em seu organismo. Ele decidiu não fazer quimioterapia, o que foi aceito pela família.
Outro dia ele saiu de casa para renovar sua carteira de motorista. Voltou e disse para minha amiga: "Pronto, revalidei ate 2018!".
Ele se porta como se não estivesse doente, embora sua figura frágil, sua respiração diferente, mostre isso.
Ele esta doente, mas não deixa de olhar as coisas de um modo até "positivo". Vocês entenderam?
Nesse fim de ano, quis uma festa com a família. Fizeram num Clube o Natal. Com certeza seu ultimo Natal.

Já pensei tantas coisas nos anos em que eu era mais jovem: "quero emagrecer", "quero ganhar dinheiro", "quero viajar", "quero trocar meu carro", "quero ter um filho"...

Como a idade nos faz mudar nossas "resoluções"... que bonito isso! Embora muitas vezes eu não goste das mudanças do meu rosto, ou no meu corpo eu gosto muito, mas MUITO mesmo de mim nessa fase da minha vida!

Sinto-me como uma adolescente ainda, maravilhada com tudo. Os números que se somam na minha existência são muitos...mas por dentro eu não sou nada mais nada menos do que uma deslumbrada com a vida... E isso me traz sempre pessoas tão ricas que encontro em tantos lugares.

Sinto-me mais ou menos na estrofe de uma poesia do poeta e artista plastico Mario Feijo:

ESTAÇÕES DA VIDA

Quando crianças
Somos feito a primavera
Florida e cheia de vida...

Quando adolescentes
Somos tal qual o verão
Quente, sol ardente
Tempestades passageiras
Sonhos de uma nova estação...

Quando adultos
Somos o outono
Cheio de frutos
Tempos mais frios
Que um dia irão chegar...

Quando velhos
Somos o inverno
Que muitos evitam
Porém seu frio
É inevitável de sentir...

Sou e sempre serei sonhos de uma nova estacão!

O primordial para mim são as PESSOAS. São meus sempre AMIGOS. São os novos que a cada ano eu conheço.

Quero sempre aprender sentimentos, com muita SEDE...
Adoro ler pensamentos (meu marido que o diga! risos)... ele sempre diz que minha bola de cristal precisa ir para o conserto...mas adoro olhar no rosto das pessoas e imaginar o que elas sentem por suas expressões.

Quantas coisas eu aprendo! Como estou mais rica em sentimentos!

"Sin perder la ternura jamás!"

Ofereco a cada um de vocês uma fatia bem cheia de recheio, do meu bolo de chocolate. Se nao gostarem de chocolate, escolham o sabor preferido.

O importante é o gosto! E o sentimento.

*Mary Fioratti*


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MaryFioratti
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 04/09/2014 08:41  Atualizado: 04/09/2014 08:41
 Re: PSICANALISE
Ó mary, você não me quer levar para os states? Rs.
Os psicólogos também precisam de ajuda. Um dia houve um que me disse: ó alberto quando você cá vem deixa-me com vontade de deixar de exercer esta profissão. E eu perguntei porquê senhora doutora? Porra, você dá-me cabo da cabeça toda. A melhor psicanálise que conheço é vomitar fantasmas. Vai ver que fica levezinha levezinha, como nova.
Quanto ao bolo: há muitas formas de expressão e um bolo serve para muitas coisas. Eu gosto mais de enchidos e nisso o meu país tem os melhores, mas, admiro o espírito e a cultura anglo-saxónica. De qualquer forma também não ia para os states e acabei despedido pela psicanalista que raramente tinha respostas para as questões... do bolo
Quando chegarmos a velhos seremos ainda mais novos do que quando nascemos, pelo menos está ao nosso alcance, com certeza
Gostei de cá passar, um abraço


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 04/09/2014 12:42  Atualizado: 04/09/2014 13:22
 Re: PSICANALISE
Quando tenho oportunidade de ajudar de um modo geral levo a pessoa a se desligar do problema vivido da seguinte forma: A pessoa deita no divã e vou conversando com ela induzindo-a a um relaxamento profundo. Assim uma "aura" é criada possibilitando o contato da alma ou espírito com o ego. Desta forma a psique daquele que ajuda não interfere com os aprendizados, que a alma ou espírito tentam imprimir no ego. Todas as vezes que ajudei desta forma as pessoas relataram contatos internos em grau de realidade nunca antes vividos.
O melhor psiquiatra é aquele que não insere nada "dele" no paciente, deixa apenas que a pessoa se "descubra". Luz


Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 04/09/2014 14:23  Atualizado: 04/09/2014 14:23
Usuário desde: 03/09/2012
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Mensagens: 18165
 Re: PSICANALISE
Mary
Bela mensagem! Adorei a fatia do bolo de chocolate! Rsrs
Beijos!
Janna


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 04/09/2014 14:25  Atualizado: 04/09/2014 14:25
 Re: PSICANALISE
Querida Mary,

adorei ler teu texto... leitura gostosa permeada de sinceridade, doçura, inteligência. Esta analogia da vida com o bolo e suas fatias deu água na boca da imaginação... o principal é os ingredientes deste bolo gostoso (vida) cuja cobertura deve ser sempre o AMOR em todas suas formas ( fraterno, erótico, etc...) só ele sustenta nossa sanidade e energia... a saciedade gera mais fome / desejo daquilo que nos faz bem ( dá forças). E Amor é como o bolo, deve ser distribuído para saciar , é o fermento principal... é a alma do bom existir...

Parabéns, grata pela "viagem "... amei!

Bjs,

Alice


Enviado por Tópico
MarySSantos
Publicado: 04/09/2014 15:19  Atualizado: 04/09/2014 15:19
Usuário desde: 06/06/2012
Localidade: Macapá/Amapá - Brasil
Mensagens: 5848
 Re: PSICANALISE
De uma coisa tenho certeza querida *Mary*; adorei seu bolo de chocolate e mais ainda da forma como ele foi apresentado: Excelente escrita ofertando-me leitura prazerosa.

Beijo


Enviado por Tópico
Manufernandes
Publicado: 08/09/2014 09:26  Atualizado: 08/09/2014 09:26
Colaborador
Usuário desde: 09/12/2013
Localidade: Lisboa
Mensagens: 3827
 Re: PSICANALISE
Obrigado pela fatia; Deliciosa!

Só não gostei (apenas para não ser sempre
o merecido gostei rsrsrs)
de que o meu Outono está a acabar...
detesto o Inverno!
Mas, se desistir da viagem não há
direito a reembolso, então acho
que devo aproveita-la!
Beijos

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 08/09/2014 11:20  Atualizado: 08/09/2014 11:20
 Re: PSICANALISE
olá Mary...gostei bastante de ler as suas reflexões, fui lendo e pensando sobre elas, fazendo também as minhas reflexões...pessoalmente não gosto muito de pensar na ideia de que a vida é um bolo de chocolate dividido em fatias...pois é uma maneira de ver a vida de uma forma fraccionada, fragmentada em tudo o que já vivemos e tudo o que temos para viver, e desta forma caímos sempre no erro de olhar para traz e pensar que devíamos ter comido mais, ou menos fatias do que as que comemos na altura e por outro lado, imaginamos todas as fatias que ainda nos faltam comer, idealizamos o tamanho de cada uma delas, pensamos se seremos ou não capazes de terminar de comer o bolo, temos pena das partes que iremos deixar no prato e tudo isto gera de alguma forma angustia, ansiedade, medo e incapacidade para saborear a fatia que temos bem à nossa frente...prefiro pensar que há um bolo de chocolate para cada dia da nossa vida, e este bolo é-nos oferecido, está à nossa disposição para comermos dele o quanto quisermos e conseguirmos, sabendo que no dia seguinte há um novo bolo à nossa espera para saborearmos à vontade...normalmente, diz-se que a cavalo dado não se olha ao dente, mas, nas circunstancias actuais, não se olha ao dente nem ao cavalo que nos é dado, pelo contrário, não aceitamos a oferta e preferimos ir comprar um cavalo escolhido por nós...quero com isto dizer que todos os dias, a vida coloca-nos há disposição tudo o que precisamos para sermos felizes, beleza, natureza, pessoas, e tudo isto é-nos dado, apenas precisamos de aceitar a oferta...esta é uma dádiva diária, diria mesmo momentânea, apenas temos que derrubar os muros que nos cercam, que nos limitam e formatam a visão e olhar alem deles, sentir, e desfrutar do que de bom está a acontecer...obrigado e abraços