A Sentença do Feiticeiro
I
Vencido e manietado por palustres febres furibundas,
Incapaz de se reter nas lassas forças moribundas,
O sucessor do magno rei dos “Vandas”, o intrépido Kafukutiu,
Para sempre deste Mundo se partiu;
E logo o valente soberano agora imerso em vil tristeza,
Ouve dos leais conselheiros que o afirmam com firmeza:
“-- Majestade, vosso filho Kafukutiu foi por feitiço levado,
Feitiço lançado ao Reino por alguém fero e malvado
Que vos quer ver humilhado e a seus pés subjugado!”;
“-- Chame-se, pois, e de imediato, o feiticeiro Sapalão”,
-- ordenou o Soberano -- e que ele nos diga sem hesitação,
De quem vem a temerária ousadia, a vil proeza,
De querer destruir a alma dos “Vandas” com tal crueza;”
“--Que nos diga para que os nossos antepassados,
Com a mesma fúria de áureos tempos passados
Com que frustraram maquinações vis e ardilosas,
Contra o carrasco lancem suas iras tenebrosas;”
II
Alto, de longas barbas brancas e rugas já cansadas,
Sapalão, o feiticeiro, cruzou o recinto em largas passadas,
E em frente à audiência se sentou com austera seriedade;
Em todos os presentes fervilhava o fervor da ansiedade;
E sem perder mais tempo o venerado feiticeiro,
Embalado em sua crença de magno e justiceiro,
Ao pescoço de um galináceo rápido deu um corte,
Deixando-o aos ziguezagues na agonia da morte;
E então a sua voz soou solene e pausada:
“--Majestade, Conselheiros, aquele que com força ousada,
Sobre nós lançou o feitiço do mal e da desgraça,
Não é de nós desconhecido quando passa”.
Todos os presentes franziram inquietos os sobrolhos,
E a ânsia da resposta estampou-se nos seus olhos;
“-- E para que o maléfico feitiço não se espalhe ao Reino inteiro,
-- Prosseguiu o Sapalão –
Para que o gado cresça alegre e prazenteiro,
Para que haja mantimentos e chuva e muito milho a crescer,
E para que o nosso povo não sucumba a padecer…
Vassalo desse infame o nosso rei terá de ser!
E todo aquele que se negar a essa infausta sorte,
Conhecerá desse feitiço a brutalidade e a morte;”
“-- Mas quem será esse monstro de alma tão endiabrada? -
Interrogaram-se várias vozes ansiosas;
E logo do Sapalão veio a resposta, cruel, incontestada:
“-- É o traiçoeiro e sanguinário rei dos “Nozas”.
“-- Nunca!--gritou o Soberano levantando-se aturdido,
Como se um furacão o tivesse sacudido.
“-- Nunca serei vassalo desse ignóbil charlatão!
“-- Nunca esse infame zombará da minha honra já ferida!
E, puxando de uma faca de debaixo do casacão,
Lesto arremessou-a direito ao coração,
Perdendo ali no mesmo instante o alento e a vida…
III
É que ao escutar a palavra “Nozas” o impávido Soberano,
Sentiu que um velho ódio maquiavélico e insano,
Nele já meio adormecido agora despertava,
E de todo o seu ser, sinistro se apossava;
Em sua mente sucederam-se claras e insultuosas,
As imagens que marcaram a treda invasão dos “Nozas”,
Quando ele e o seu povo, após uma derrota humilhante,
Tiveram de pagar ao odioso ocupante,
Forte tributo em gado, terras, escravos, mantimentos,
E mulheres em vistosos ornamentos...
Ah, o rei dos “Nozas”! Odiava-o até ao limite da sua resistência!
E uma obsidiante ideia lhe dizia com insistência,
Que só o grande Kafukutiu merecia a honrosa herança,
De infligir aos nefandos “Nozas” a cruel derrota da vingança...
IV
Caído agora já o seu herdeiro e já do feiticeiro a sentença ouvida,
Sobrepusera-se o orgulho da morte à humilhação da vida…
V
E rendidos ao feitiço da suposta adivinhação,
Os “Vandas” juraram aos “Nozas” a sua submissão…
Helder Oliveira
(Helder Ferreira de Oliveira)
-- Breve Explicação do Poema --
Em “I”, têm lugar três acontecimentos importantes:
a) A morte, por doença, de Kafukutiu, filho e sucessor do rei dos Vandas”.
“O sucessor do magno rei dos “Vandas”, o intrépido Kafukutiu,
Para sempre deste Mundo se partiu;”
b) Os conselheiros do rei convencem-no de que a morte de seu filho Kafukutiu, foi causada por feitiço.
“-- Majestade, vosso filho Kafukutiu foi por feitiço levado…”
c) O rei ordena que se chame Sapalão, o feiticeiro, para adivinhar quem lançou o feitiço contra o seu filho.
“-- Chame-se, pois, e de imediato, o feiticeiro Sapalão…”
Em “II”, têm lugar dois acontecimentos importantes:
a) Sapalão, o feiticeiro, confirma o que os conselheiros haviam dito ao rei, sublinhando que quem lançou o feitiço não é pessoa desconhecida ao Reino dos Vandas.
“--Majestade, Conselheiros, aquele que com força ousada,
Sobre nós lançou o feitiço do mal e da desgraça,
Não é de nós desconhecido quando passa”.
E Sapalão diz ainda que o feitiço que matou Kafukutiu, o filho do soberano, espalhar-se-á por todo o Reino causando a desgraça e a morte, a não ser que…
… a não ser que o Soberano se torne vassalo dessa pessoa que lançou o feitiço.
“E para que o nosso povo não sucumba a padecer…
Vassalo desse infame o nosso rei terá de ser!”
E Sapalão vai mais longe e diz que quem se opuser a que o o rei dos “Vandas” se torne vassalo do rei dos “Nozas”, cairá fulminado pelo terrível feitiço que já ceifou Kafukutiu…
“E todo aquele que se negar a essa infausta sorte,
Conhecerá desse feitiço a brutalidade e a morte…”
Por fim, Sapalão revela quem foi a pessoa que lançou o feitiço e que, por ironia do destino, era, afinal, um grande inimigo do povo Vanda. Com efeito, essa pessoa era, nem mais nem menos, o rei dos “Nozas”, um povo vizinho, odiado pelos “Vandas”.
“-- Mas quem será esse monstro de alma tão endiabrada? -
E logo do Sapalão veio a resposta, cruel, incontestada:
“-- É o traiçoeiro e sanguinário rei dos “Nozas”. “
Os “Nozas” eram odiados pelos “Vandas” e o rei dos “Vandas” odiava profundamente o rei dos “Nozas”.
b) A morte, por suicídio, do rei dos “Vandas”, que não suportou a ideia de se tornar vassalo do seu odiado inimigo, o rei dos “Nozas”, preferindo, assim, a morte.
“—Nunca esse infame zombará da minha honra já ferida!
E, puxando de uma faca de debaixo do casacão,
Lesto arremessou-a direito ao coração…”
Em “III” e em “IV” apresentam-se as causas do ódio que os “Vandas” nutriam pelos “Nozas” e as razões que levaram o rei dos “Vandas” a cometer suicídio.
Uma invasão traiçoeira que os “Nozas” fizeram aos “Vandas” e em que estes sofreram uma derrota humilhante foi a causa do terrível ódio que os “Vandas” nutriam pelos “Nozas”…
“Em sua mente sucederam-se claras e insultuosas,
As imagens que marcaram a treda invasão dos “Nozas”…”
E o rei dos “Vandas” jurou vingança após essa invasão… mas só a uma pessoa caberia a honra de comandar as forças para a vitória da vingança sobre os “Nosas”… e essa pessoa só podia ser o seu filho Kafukutiu, o valente guerreiro, e só a ele caberia essa honra…
“E uma obsidiante ideia lhe dizia com insistência,
Que só o grande Kafukutiu merecia a honrosa herança,
De infligir aos nefandos “Nozas” a cruel derrota da vingança...”
Agora, porém, Kafukutiu, o seu filho, havia partido para sempre, e a esperança dessa vingança havia-se esfumado…
“Caído agora já o seu herdeiro…”
Para quê continuar a viver sem a possibilidade de ver o seu aguerrido filho Kafukutiu, o herdeiro do seu trono, vingar-se dos “Nozas”? Ah, o suicídio acabaria com esse sofrimento… sim… o suicídio… só faltava um encorajamento final para que fosse cometido… e esse encorajamento chegou, finalmente, da boca de Sapalão, o feiticeiro…
“E logo do Sapalão veio a resposta, cruel, incontestada:
“-- É o traiçoeiro e sanguinário rei dos “Nozas”.
Em “V” lê-se que os “Vandas”, por terem acreditado que fora um feitiço que matara Kafukutiu e que esse feitiço aniquilaria todos os que se opusessem à sua submissão aos “Nozas”, tornaram-se, efectivamente, “escravos” dos “Nozas”…
“E rendidos ao feitiço da suposta adivinhação,
Os “Vandas” juraram aos “Nozas” a sua submissão…