Diz o Aurélio: sobrevida – prolongamento da vida além de determinado prazo. Sou renal crônico, então, estou vivendo uma sobrevida, porque todo aquele que tem uma doença crônica; todo aquele que escapou de uma tragédia, de um acidente grave; todo aquele que tem alguma deficiência grave; todo aquele, enfim, que depende de algum tratamento para viver está numa sobrevida. Quando comecei a hemodiálise ouvi de algumas pessoas que este era meu caso. Diziam: Com o tratamento da hemodiálise, tem-se uma sobrevida quase normal! Confesso, no inicio isso me incomodava. Para mim soava como algo assim: a vida para ele acabou, agora ele vai entrar num período de sobrevida, e eu não sabia o que era essa tal sobrevida, isso me fazia sentir meio assustado, afinal, eu estava no fim da linha? Acaba-se a vida e inicia-se a sobrevida?
Hoje, após algum tempo nessa vida de renal crônico, descubro que a sobrevida não tem nada a ver com o fim da vida que se levava antes do evento que a provocou. A vida continua, eu estou levando a mesma vida que sempre levei. Agora, entendo, a sobrevida é um regime de exceções, isso não há como negar, todos que estamos na sobrevida, temos alguma situação de exceção, algo assim: você pode tudo, exceto... Mas, é verdade, conforme, de cada um, a vontade de continuar a viver, a sobrevida continua quase como o habitual. Apesar de ser um regime especialíssimo, afinal, em muitos casos a sobrevida é fruto de uma situação em que chegamos ao fim da vida e fomos salvos por providências imediatas seja da medicina, seja de outra providência socorrista, seja pelo uso de remédios,... Sobrevida! Nunca uma palavra pesou tanto sobre mim, nunca mais será esquecida. Palavra prenhe de significados, a cada reflexão, uma nova mensagem, nova lição! Viver além do prazo determinado! Impossível ser indiferente diante desta situação. Muitos companheiros de sobrevida não têm consciência do regime de exceção em que estão e teimam em não obedecer as prescrições restritivas a ele indicadas, aí a situação pode piorar muito, porque se se pode viver um regime de sobrevida quase como uma vida normal, isso só é possível, se as exceções do regime forem obedecidas à risca. Eu, por exemplo, acho que vivo uma vida normal, adaptada a nova situação, evidentemente! Mas o importante é você aprender a viver bem a sua nova situação, aprender a ser grato à vida por ainda senti-la pulsar em seu corpo e, como diz o ditado: enquanto há vida há esperança. Para quem crê em Deus, em sua Justiça e na sua Bondade e que Ele é em tudo perfeição, sabe que nada na vida é em vão. Então, por que é dado a algumas pessoas vivermos o regime de exceção? Por que para outras, o fim é fatal: sem exceção? Nenhuma revolta move-me a fazer este questionamento, simplesmente, move-me o gosto de pensar e, principalmente, o hábito da escrita. Além de que quem não questiona nada soluciona nem aprende: estaciona! A mais importante, digamos: observação, porque se eu disser “conselho” pode ficar parecendo que estou querendo dar uma de sabe-tudo, mas preciso deixar isso registrado: a pior coisa que se pode acontecer quando entramos numa situação de sobrevida é a revolta, isso sim pode levar qualquer pessoa ao fundo do posso. Primeiro a revolta nos dá uma sensação de força, porque achamos que estamos afrontando um poder oculto que nos levou a viver a situação de sobrevida, grande engano, a revolta é uma das maiores demonstração de fraqueza ante a vida, ela mostra que estamos sem coragem de encarar a vida da maneira que se fizer necessário no momento. O próximo passo da revolta é a depressão, esse monstro horroroso que nos enfraquece e nos torna tão dependentes e frágeis, quando, na verdade, todos em qualquer situação, podemos dar a volta por cima, encarar a nova situação com coragem, bom ânimo e até com otimismo e alegria, sim é perfeitamente possível ser feliz vivendo o regime de sobrevida!
Quem crê em Deus sabe que nada acontece por acaso e que essa nova situação de sobrevida deve estar dentro da lei de ação e reação, ou seja, de alguma forma somos nós a causa disso, pois, se a Justiça Divina é perfeita e sábia ela jamais deixa um inocente pagar pelo que não deve. Para mim, ouve um período de entorpecimento do pensamento, medo da realidade, depois, é bem verdade, houve a revolta que resultou em depressão trazendo-me muito mais dificuldades! Hoje, vivo um bom momento, consciente da grande responsabilidade, da obrigação de valorizar este regime de exceção: a sobrevida, que Deus me concede, como benção!
Manoel De almeida