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[também] somos o que fazemos com as palavras

 
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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


vânia!

o celular - na minha terra telemóvel - é uma modernice do novo homem tecnológico – este homem. ligado a um futuro que não pára de surpreender. faz-me existir com o número 00 351 XXXXXXXXX – esta é a minha conexão ao satélite que liga o continente europeu com aquele que suporta o brasil. américa. onde reside a minha amiga vânia lopez – escreve a vânia:

-- um dia. não distante. prometo-te surpreender

diz que vai usar o seu celular marcando o número que me faz existir para o mundo – acredito. mas pelo sim e pelo não espero sentado para não cansar as pernas – quando concluíres a “call” cara colega. um sujeito antigo. subjugado agora ao valor das memórias vai responder a “você” assim:

- - sim. boa tarde. quem fala?

e vossemecê do outro lado responde em bicos de pés que não param de elevar o sorriso ao patamar das deusas mitológicas

- - oi meu qu(i)rido. qu(i) legal falar com você. qu(i) surpresa boa. valeu. estou tão feliz – nem acredito que fui capaz de ligar. qu(i) legal

dois mundos ligados por fios invisíveis giram amarrados a um fuso desgovernado pela emoção – tudo agora é enviesado. o eixo do mundo. as palavras permutadas. os corpos que cruzam palavras com sentimento. os braços descaídos para bolsos com medo de não saberem o que dizer e os olhos em órbitas desconhecidas percorrem uma nova trajetória emocional sob influência de uma nova lei do universo: escrever cria afetos – ligam as palavras o que o mar teima em separar – para o mundo literário chegou uma nova descoberta. um novo enviesamento tecnológico emocional – tudo sorri dentro de uns fios imaginados que ainda ninguém conseguiu ver – neste mundo os olhos são cegos. descansam para outros encantos que as palavras juram existir de verdade – as cabeças não param de imaginar o que vem da voz. doidas pela descoberta. ajardinadas pelo aroma. enfeitadas pela alegria. tombam para a emoção cruel da distância aprisionada a um fio-algema – seguram o céu ao imaginário de duas crianças escondidas em corpos feitos à palavra-papel. tantas vezes incompreendida. tantas vezes ignorada. tantas vezes manipulada. tantas vezes a teimar a verdade. escrevem-se numa vida censurada em solidão – comoção. agitação. perturbação. emoção e tudo oblíquo desde o dia em que o criador engendrou um homem de pó e uma mulher da sua costela. enviesámos para sempre em palavras – só ele sabe o porquê de nos colocar a rodar de lado para o universo – bem que podíamos estar verticais. olhos nos olhos. a tocar com as mãos numa perpendicular ao corpo. a dizer: estou aqui porque neste momento não poderia estar em mais lado nenhum. estou aqui porque descobrimos muito mais do que palavras escritas. descobrimos afeição – não é assim. mas a culpa também não é nossa. nós fazemos a nossa parte. gostamo-nos – quem manda pode – palavra a palavra vamos eletrizando o espaço com um perfume alfabético guardado em boiões de uma prosa universal – bem nos queremos escrevendo ou falando – ninguém arquitetava um mundo assim. cada vez mais global. cada vez mais informal. nunca bell imaginaria que a sua descoberta um dia habitaria tão perto das estrelas – se ele pudesse afigurar que um simples par de números estivesse ligado a um país. a uma operadora e a um nome que por sua vez. com a voz. faz com que a ida e a vinda de todas as palavras acabem por informar em grandes parangonas:

-- a lua está cada vez mais perto do mar

estamos os dois na lua – longe vai o tempo daqueles telefones enormes operados por senhoras de blusa branca. esguias. sempre a sorrir. cabelo apanhado. lábios pintados de um vermelho a trazer alquimia à voz: alô! quem fala?... tem uma chamada em linha da senhora vânia lopez aceita atender? o que era longe fez-se perto. o que era solidão fez-se saudade. o que era tempo fez-se presente. falamo-nos com abraços feitos de voz – mas o mundo não parou num telefone de manivela e agora as palavras acontecem velozmente – inesperadamente chega uma nova vaga de afetos tecnológicos:

--qu(i) saudade tinha de ouvir você. legal mesmo

verdade. verdade mesmo digo eu que já o sentia sem celular – este legal que pode ser também bestial. brutal ou boçal se as palavras não afagassem – ainda agora vi um golfinho a saltar para dentro de uma cratera lunar e um homem verde a ficar cor-de-rosa. talvez azul. cor do mar que separa a idealidade da nossa escrita – estou certo que um dia este mar será o nosso “mare nostrum” – mergulham as palavras que escrevo no avental de quem me quer bem. procuram conforto. proteção. talvez um comentário carinhoso escrito em verso livre ou um like de polegar virado para o céu – são rosas senhora. são rosas. e no regaço a mágoa de quem não sabe escrever a raiva dos continentes cercados de água por todos os lados menos pela escrita – são rosas com espinhos ou são espinhos com rosas – a lua presa a um mar que teima em dividir o que as palavras querem unir numa nova estrada metafórica – as mãos pedem cada vez mais acerto. ritmo e harmonia na escolha das palavras que atapetam oceanos em cores de amizade – há flores que teimam em nascer nesta encruzilhada de mãos amarradas aos pés – é afinal esta coisa de escrever que me faz pintar um quadro para ti: traço acanhado. suave. harmonioso. silencioso. pacato e a decair para o tom verde-esperança. o mar sem ondas. parado entre marés onde o futuro é ilegível e se pode ver um golfinho sentado na orla crescente da nossa lua sorrindo à beleza de um pensamento cristalino – a lua que canta fado no beiral da minha janela é a mesma que dança samba na avenida do marquês de sapucaí – é a tela que tenho para te oferecer minha amiga. uma tela feita do meu mundo. do meu sentir. do meu eu por inteiro onde a água engole as palavras de um mar ainda insuperável – sobrevive esta pequena luz de palavras em confronto com uma triste nostalgia de quem espera pelo tocar das vozes – só as sombras sabem o que existe do outro lado escuro da lua – um dia derrubarei com palavras que ainda não escrevi todas as sombras do mundo e a água será para sempre engolida pela terra – escreveremos então um novo poema a duas mãos – [também] somos o que fazemos com as palavras
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correspondência com a vânia


o meu celular. aqui na minha terra telemóvel. coisa da era dos homens do futuro e com o número 00 351 XXXXXXXXX - esta é a minha ligação ao satélite que liga o continente europeu com aquele que suporta o brasil - deste lado um homem vai responder - - sim. quem fala? e do outro lado do celular a voz. a voz caçadora de emoções. vânia. ui meu qu(i)rido. qu(i) bom falar com você - e o mundo sempre a girar. e o eixo que suporta os nossos pés a dizer: a lua está cada vez mais perto do mar. ainda agora vi um golfinho a saltar para dentro de uma cratera e um homem verde a ficar cor-de-rosa. talvez vermelho. talvez azul. cor do mar que separa a terra que mergulha nas palavras que escrevo - são rosas senhora. são rosas. e no regaço a dor de nunca escrever a ira do coração. são rosas com espinhos. são espinhos com rosas - e a lua à distancia de uma mão e o a.e.i.o.u. a pedir outras letras um v. um n e as flores a nascer nesta encruzilhada de mãos amarradas aos pés - é afinal esta coisa de escrever que me faz pintar um quadro para ti. traço pequeno. irrequieto. em tons verdes e o mar sem ondas. parado entre marés e o golfinho sentado ao tempo de um pensamento - é tela senhora. é uma tela senhora dos mundos pincelados de brilho. contrastes de luz que só as sombras compreendem


06 – 11 -2011 - [revisto em 18.06.2014]

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Autor
sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
Amora
Publicado: 02/09/2014 01:33  Atualizado: 02/09/2014 01:33
Colaborador
Usuário desde: 08/02/2008
Localidade: Brasil
Mensagens: 4705
 Re: [também] somos o que fazemos com as palavras
Sim, escrever cria afetos, meu amigo.
Um texto riquíssimo, hipnotizante,
de um valor realmente extremo.
É quase possível ouví-lo, literal.

Espetacular!

Um beijo.


Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 02/09/2014 03:22  Atualizado: 02/09/2014 03:22
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
Mensagens: 18598
 Re: [também] somos o que fazemos com as palavras
fiquei como um telefone sem voz.
cor de lâmina, âmbar.
somos antes das palavras, mãos.
não essas mãos que dizem e acontecem. somos mãos que quebram.
constroem silencios e rasgam almas de chuva.
chuva que colore Frida Kahlo, num pedaço de tempo
no qual a cor muda, fala.
somos o que fazemos com nossa cor. essa que anoitece
e ilumina as asas se alguma lua vai sair...
gosto muito de telefones ajardinados pela voz
ou versos. fiquei como voce agora...
um paradeiro sem rumo. aff
(nem arrumei as palavras para nossa certidão de ser).
querido, paguei com poesia (sei ficar devendo não)
acabei de postar...
continuemos, continuemos.
somos assim continuados. beijo em claro


Enviado por Tópico
MarySSantos
Publicado: 02/09/2014 12:54  Atualizado: 02/09/2014 12:55
Usuário desde: 06/06/2012
Localidade: Macapá/Amapá - Brasil
Mensagens: 5848
 Re: [também] somos o que fazemos com as palavras
Não sou fã de textos longos, mas os seus, leio devagarinho. leio duas linhas e depois retorno. É como andar dois passos e retornar 5, só pra sentir a maciez do chão e o conteúdo do que é feito; imensas pontes curtas que a palavra, lida ou ouvida, é capaz de construir ou vestir... ou revestir.

bjo


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/09/2014 15:35  Atualizado: 02/09/2014 15:35
 Re: [também] somos o que fazemos com as palavras
Uma leitura deliciosa... a cada frase, as palavras como, mágicas, chaves, encaixam nas fechaduras e abrem ( são aberturas) as portas da sensibilidade... da fantasia... da magia... as vozes que se ouvem vibram das palavras , das suas 'cores' ... telas coloridas com símbolos do afeto, da amizade... do carinho que as mãos desejosas escrevem, decodificando tudo que somos ou poderemos vir a ser... distâncias e tempo se fundem e se diluem na maciez das doces e saciadas palavras...

Gosto de ler seus textos ... hoje , até, viajei um pouquinho.

Parabéns e obrigada pelo deleite (viagem).

Um abraço,

Alice