Poemas : 

Uma Dose...

 
Trancado dentro de mim mesmo
Como num castelo de Walter Scott
Olhei-me e perguntei ao espelho
Se era serafim num verso de Klopstock.

E acabou que entrei em sono profundo
Tudo era branco lembrando um inverno
De repente estava no centro do mundo
Cérbero ladrava no portão do Inferno.

Sem fio de Ariadne e sem Dédalos
Perdi-me naqueles estranhos labirintos
Sem asas de cera como o do menino Ícaro
Procurei, como Dante, ajuda em Virgílio.

E, do nada, eu nadava em suplício num rio
Onde um óbolo era o preço da barca de Caronte
Ouvi gritos, arrastos de correntes, vários gemidos
E na minha frente vi homens torturados aos montes.

E lembrei-me daquele herói da cidade de Ítaca
Que dez anos ficou sem voltar para sua amada.
Lembrei-me do poeta que a nado salvou o Lusíadas
Quando vi sorrindo Aleister Crowley numa maca.

No rio de lamentos haviam poucos navegantes
Na verdade parecia-me que eu via somente um
Era Dom Quixote, personagem do grande Cervantes
Montado no Rocinante enquanto Sancho bebia rum.

Tudo ali era extravagante, extraordinário, extra.
Acho que vi Jack estripando prostitutas nuas e imundas
Lúcifer tomando um cálice de sangue com a mão destra
Vi diabinhos em orgias com umas raparigas bem vagabundas.

Depois tudo me pareceu tão surdo, turvo que eu não sei.
Mas, pela barba, parecia que eu via uivando o velho Raul.
Parecia-me que virava churrasco o piloto do Enola Gay
Empalado até o talo numa vara de mais de metro de bambu.

Por fim acordei todo suado e percebi que estava no meu quarto.
Havia três dias que eu estava adoentado, gripado, constipado.
Rezei um Pai-nosso, benzi-me dez vezes e rezei dez aves-marias.
Depois foi que eu percebi que tinha errado as dosagens de Amoxilina.


Gyl Ferrys

 
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