Deixei de ser cego
E tudo ver
Quando nada vi
Por nada haver,
Quando percebi
Que o que existe
É, e não é
O que desejo e quero,
Quando entendi
Que se houvesse
Paraísos, cidadelas,
Eterna messe
Mataria o que existe
Pelo preço de quimeras,
Por vãs promessas
Onde tudo pereceria,
Pois tudo
Só nos é tudo
Porque detrás
De todo o manto
Só há o breu
Do nada e do escuro,
O silêncio cerrado
E o espanto
Que entretecem
O meu canto
E me subtraem
A luz, o Deus e o encanto,
Pois estar na luz
Em iluminação
É poder ver
Na escuridão.
Deixei de ser cego
Ao compreender
Que por detrás
De tudo o que existe,
De tudo que nasce,
Vive, morre
E se refaz,
Nada resiste
E é por isso
Que tudo o que existe
Não é o caos ou o que creio,
Mas ordenado e perfeito,
Jogo, dado
A erigir
O fado e a beleza
Dos Senhores de areia,
Tudo no todo
Sem centro
Ou aranha
Apenas teia,
O fora e o dentro,
Isto que tudo
Contém
E apanha,
O que chamamos
De vontades, desígnios
Mas que não passa
De algo indistinto,
Alheio,
Por isso lindo
Como bolas
Num sorteio,
Caso contrário,
Não estaríamos aqui
E nem teria visto
Tudo o que vi.