Hoje alguém veio me visitar,
Chegou, sorrateiramente, no ar!
Entrou na casa do meu sonho
E começou a me fazer lembrar!
Mostrou-se me toda por inteira:
Seus cabelos, antes, negros e encaracolados;
Seus dentes, antes, brancos como colar de pérolas;
As covinhas na bochecha, hoje, misturadas às rugas;
Seu sorriso meio de trejeito que, antes, nascia de uma boca linda,
De lábios perfeitos; o pescoço longo, antes, pura sensualidade;
Desfilou pela sala de meu sonho, meio sem jeito,
Diferente de antes, que requebrava, num equilíbrio perfeito;
Olhou-me e lembrei-me dos seus olhos de antigamente:
Ah, seus olhos de antigamente, como brilhavam,...
Hoje, ainda profundos olhos, brilham, porém, um brilho diferente!
Meu espírito, numa interrogação profunda, quedo:
Via, mas não acreditava, sentiu-se frágil, com medo,
Vendo que, nas mãos do tempo, somos qual brinquedo!
Senti enorme carinho pela inesperada visitante,
Que, com a mesma coragem de antes, dizia vaidosa: nada de pena!
Corri a olhar-me num espelho e vi que ela era meu espelho,
Então, disse orgulhoso, não, nada de pena: tudo valeu a pena!
Abraçamo-nos, sentindo, na face, a lágrima quente,
Dissemo-nos em uma só voz: ainda não é tarde para nós...
Acordei louco, delirante! No quarto, a solidão, o silêncio reinante!
Manoel De almeida