Fui criado no Sistema Bruto. A sobrevivência era arrancada da Natureza no machado, na foice e na enxada (E não venham com críticas os ambientalistas: antes se derrubavam árvores no machado, hoje, derrubam-nas com potentes tratores). Meu pai era homem honesto e sério, não gostava de conversa fiada. Sua faca bem afiada e o 38 schimit cano longo sempre na cintura impunham respeito a sua postura: estatura mediana, corpo magérrimo, qual cerne puro; olhos negros ágeis como os de um felino; um respeitável bigode; voz firme e autoritária: a sua fala não admitia fala contrária. Derrubava mata fechada no machado, para preparar a sua roça, onde plantava arroz, feijão, milho, abóbora, melancia, pepino, quiabo,... Vivíamos na fartura tirada do suor de seu corpo. Formava suas invernadas com sementes de capim por suas mãos semeadas; nas invernadas, viam-se vacas leiteiras e novilha gorda: o churrasco era certeiro – até duas vezes por ano. Cresci tomando leite espumoso e gordo, no mangueiro de manhã cedo – o leite saía quentinho das tetas das vacas. Nasci numa enorme casa de sapê e pau a pique, “cimentada” com barro feito por meu pai; havia um galpão com um enorme carro de boi (como eram lindos os bois que o puxavam e como era triste a cantiga saída de seus eixos); sempre tínhamos belos cachorros caçadores que cuidavam para que nenhum animal selvagem se aproximasse de nossa casa. Quando meu pai caminhava, sozinho, por aquelas matas de sua propriedade as cobras, os sucuris, as onças,... abriam caminho para ele passar, pois, nunca, animal nenhum ousou atacá-lo e havia de tais animais aos bandos, tanto que, de quando em quando, um animal doméstico era vítima dessas feras e, eu mesmo, quando tinha nove anos, fui mordido por uma jaracuçu do brejo, quando passei por maus bocados. Graças ao trabalho de meu pai e a dedicação de minha mãe as coisas foram melhorando: meu pai construiu uma enorme e linda casa de telha de cerâmica; um curral de madeira de lei,... Que saudade da minha infância, das frutas de nosso pomar... e das frutas silvestres; dos bolos e doces que minha mãe fazia; da farinha torrada no tacho; dos banhos no córrego; dos “caos” de assombração e outros contados por meu avô e meus pais à noite.
Como fui feliz na minha infância... que saudades! Lembro-me das madrugadas, quando íamos a cavalo para o Areado (cidadezinha mais próxima da fazenda) onde meu pai pegava o ônibus para ir à capital cuidar de negócios: a lua era linda e parecia tão próxima que dava vontade de tentar pegá-la com as mãos, a areia branquinha da estrada brilhava como prata. Tempo, tempo,... não pede licença para mudar as coisas em nossas vidas, se ao menos as mudasse sempre para melhor! Mas, vem ano, vai ano passamos da infância para a adolescência, da adolescência para a fase adulta e tudo muda em nossas vidas: pessoas queridas vão-se para sempre, surgem outras pessoas (umas queridas, outras que nos causam feridas); mudam-se as paisagens como quando olhamos pela janela do automóvel numa viagem; mudam-se as responsabilidades,... O tempo me tirou daquele paraíso onde nasci e me trouxe aqui para a cidade grande, onde tudo mudou! Daquele tempo, daquele paraíso só restaram as lembranças: vivas em minha memória; com a diferença de que, se antes eram felicidades, hoje, doem na minha alma!
Manoel De almeida