Antes de tudo, façamos a seguinte reflexão: aqueles que são muitos ricos conseguem satisfazer inteiramente à “Vontade” e viver livre do tédio?
Não! É claro que não, pois, ainda que o dinheiro possa trazer inegável conforto e muitas facilidades, ele é impotente para vencer a essência do homem comum.
Se assim não fosse, como explicar, por exemplo, a vida do bilionário que se mata nos negócios apenas para aumentar aquilo que já lhe sobra. Apenas para cumprir o que lhe ordena a sua Senhora, a Vontade insaciável. Ou aquele outro bilionário que se entrega a hobbies extravagantes ou a meritórias ações filantrópicas para fugir do tédio que a sua saciedade lhe impõe?
E muitos outros exemplos seriam possíveis. Para alguns, tantos quantos são os domingos e feriados...
Vê-se, portanto, o quanto é absurdo o desejo ganancioso pelos bens materiais que rege a vida do homem, pois se é correto lutar por boas condições e usar a Vontade como plataforma de impulsão para as lutas diárias, a excessiva sujeição aos ditames do Querer torna o homem uma simples peça na engrenagem da vida, incapaz de perceber a grandeza que existe em outras coisas que não são diretamente associadas à moeda.
A obsessão pela fortuna mostra o quão tolo é o homem que, dela, espera a libertação do jugo da Vontade. Tolice que se revela mais atuante nos indivíduos de intelectualidade e cultura prejudicadas e que veem a posse como a substituta perfeita para as outras qualidades que lhe faltam. São pobres diabos que vivem em círculo vicioso, já que são continuamente pressionados para aumentarem suas rendas e a isso se dedicam com tal intensidade que não lhes sobre tempo nem vigor para adquirirem outras qualificações, outros saberes. No fim, morrem sem terem aproveitado as suas posses e sem sequer suspeitarem que não está na riqueza o caminho para a alforria e para a paz de espírito, mas sim na Sabedoria, a qual, mesmo tendo nascido por obra da Vontade, é a única coisa que pode dominá-la.
Nas palavras de Schopenhauer:
“O homem é ao mesmo tempo um impetuoso esforço da Vontade (cujo foco está no sistema reprodutivo) e um eterno, livre, sereno súdito do Conhecimento Puro (do qual o foco é o cérebro)”.
O inicio da independência do Saber em relação à Vontade pode ser observado quando, por exemplo, o intelecto se recusa a obedecer ao comando da Vontade, isto é, quando se recusa a agir apenas por algum instinto. Ou, então, quando não fixa na mente aquilo que a Vontade lhe ordena; ou quando a memória se nega a atender a uma ordem de busca determinada pelo Desejo.
E desse inicio titubeante o caminho vai sendo aplainado à medida que os tratores da Sabedoria –fortalecida pela contínua aquisição de Cultura real e efetiva – agem contra o cipoal primitivo dos instintos brutos. Uma vez que o poder da Razão esteja consolidado, o Desejo se mostra moderado e modelado para servir apenas como um indispensável estímulo ao individuo e não mais como o seu algoz terrível.
Para alguns eruditos, essa teoria é apenas outra apresentação do Determinismo; e Schopenhauer não nega que seja, já que para ele o livre arbítrio estará sempre condicionado aos limites impostos pela essência do mundo e da vida, ou seja, a Vontade. Porém, a seu ver, quando o homem compreende que tudo que lhe atinge é apenas o resultado de causas anteriores e não por obra de sinistros azares ou terríveis desígnios divinos, ele passa de vitima a agente, vez que controlando os seus atos presentes, evitará resultados nocivos no futuro. Em suas palavras:
“De dez coisas que nos perturbam, nove não teriam como fazê-lo se as compreendêssemos perfeitamente no que se referisse a suas causas, conhecendo, portanto, sua necessidade e sua verdadeira natureza. (...) Porque aquilo que a brida e o freio são para um cavalo indócil, o intelecto é para a vontade de um homem”.
Assim, dono de si porque a Filosofia refinou-lhe a Vontade, cabe ao homem tomar o cuidado de viver efetivamente esse aprendizado e não considerá-lo apenas como uma leitura agradável ou voltar a se prostrar passivamente, porque a absorção do Pensamento de terceiros, sem a devida reflexão e experimentação, de nada adianta na luta contra o desejo incontrolável. Cabe-lhe, também, seguir os ensinamentos dos grandes sábios, que através do despojamento dos luxos supérfluos, fortaleceram a riqueza pessoal; e buscar nos textos reconhecidamente valiosos o recheio da mente, porque só dessa maneira é que se forma a certeza de que a paz de espírito e a felicidade possível dependem mais do conteúdo da cabeça que do da carteira.
Com efeito, para Schopenhauer, a maneira de se fugir do mal desencadeado pelo desejo insaciável é a contemplação sábia* da vida e que o altruísmo sincero o único caminho eficaz para se escapar do tédio tenebroso, já que ao se promover o bem estar alheio, é a própria satisfação que aumenta. Para ele:
“Quando uma causa externa ou disposição interna nos tira de repente da interminável corrente do querer, e livra o conhecimento da escravidão da Vontade, a atenção já não é mais dirigida para os motivos do querer, mas compreende as coisas livres das suas relações com a vontade e, assim, as observa sem interesse pessoal, sem subjetividade, de forma puramente objetiva – entrega-se inteiramente a elas desde que sejam ideias, mas não na medida em que sejam motivos. Então, de repente, a paz que sempre procuramos, mas que sempre nos escapou no antigo caminho dos desejos, vem até nós por sua livre vontade e para nós é bom. É o estado sem sofrimento que Epicuro considerava o maior dos bens e o estado dos deuses; porque ficamos, por enquanto, livres da infeliz luta da vontade; respeitamos o Sabath da pena de trabalhos forçados do querer; a roda de Ixíon fica parada”.
Nota do Autor – não confundir esse tipo de Sabedoria* com a inteligência erudita ou inteligência prática.
Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de relações com o público. Rio de Janeiro, no inverno de 2014.