Sharon Stones da minha alma de saia curta bem me picam
Descruzam pernas no meu texto como se eu não soubesse o que lá existe
Já lhe chamei um búzio e ouvi nele o barulho de um porto:
De barcos que partiam mal chegados
De ruídos de sirenes, de apitos de cais, do descer chiado dos botes
Do ranger celestial dos guindastes
O vento sempre me soprou nesse barulho de mar a liberdade
Virando páginas dentro de mim
Aproveitando velas içadas nos meus dedos de mãos abertas
Mas houve vezes em que o ar se tornou insustentável até para as gaivotas
Forçadas a romper os dias pelas ancas
Foi pelos dedos que lavrei a terra a cada vez que acostei
Na enseada calma do teu corpo estendido
Ilhéu descalço onde me coroaste rei
Com as tábuas do meu barco fiz casas para te morar
Como quem cerca uma propriedade por dentro
Nesse extenso egoísmo de terra-tenência que é amar
E depois, quando foi tempo novamente de largar amarras
Derrubei as árvores que tinham nascido nos quintais do nosso desejo
Para fazer um amor que fosse capaz de flutuar
Foi por isso que ainda não cheguei da viagem ao coração de uma mulher
Perdido que estou, algures entre a partida e o caminho
in: «os poemas não se servem frios» 2010