-Porque é que a amas?
-Porque os cabelos dela são tão negros como a minha alma.
-Porque é que o amas?
-Porque os olhos dele são tão profundos como o poço em que o irei afundar.
Beija-lhe a barba, sem lhe arrancares a pele. Beija-o, sem o veres por dentro.
Beija-lhe a gordura dos lábios sabendo que queres consumir todo o interior dela.
Entrelacem-se, aceitem e neguem o destino na mesma instância, e não reconheçam a cova moldada à forma dos vossos corpos, altos e moribundos, que caiem para a frente para não terem de olhar para trás e ver os fantasmas escondidos atrás de cada árvore, inquietas à vossa passagem.
Mas não se amem... finjam-no apenas, porque se o poço for profundo o suficiente como são pesadas as pestanas dela, a humidade consumir-vos-à, encherá cada poro e sufocará os vossos pulmões.
Por isso, enquanto os tiverem, gritem o vosso silêncio, ainda que as baratas se debatam nas narinas.
Agarrem as mãos com escoriações e prendam-se à demência um do outro, se é isso que vos atrai.
Sabem que não se pertencem, porque ninguém pertence a nada senão à própria loucura.
Gostam de ser loucos, vocês. Amam a loucura um do outro e então o poço é-vos poético.
Poetizem-se. Possuam-se.
Deixem-se um ao outro.
Levem-se um ao outro.
Se querem morrer, morram.
Se quiserem viver, as árvores continuarão inquietas.
Mas o teu poço é fundo e os meus cabelos negros, e a tua loucura é a minha.
Então afundemos-nos. Então finjamos que nos amamos, mesmo se não for fingimento, e que os fantasmas não nos encurvam as costas.
Lau'Ra