Era uma tarde típica de Brasil. Um sol radiante brilhava no horizonte. Uma euforia tomava conta das ruas, dos bares, dos clubes e das casas. Difícil o local no país onde não houvesse alguém diante da TV. Grandes, de LED em HD, mas também pequenas, algumas ainda em preto e branco. Olhos atentos, coração pulsando acelerado (em alguns casos, quase saindo pela boca) e esperança depositada na seleção canarinho. O verde e amarelo tomava conta de todas os lugares. Imagens de satélite mostravam um imenso país pintado com as cores da seleção. Uma confiança muito grande no hexacampeonato de futebol. Não poderia haver adversário melhor na final! Nossos hermanos. A Argentina de Lionel Messi e companhia contra os comandados de Felipão liderados em campo pela genialidade de Neymar.
Durante a execução do Hino Nacional houve uma comoção generalizada. Dentro do Maracanã lotado, nas casas luxuosas das capitais e nas mais humildes choupanas do interior do sertão ouvia-se o acompanhar do Hino e o tremular das bandeiras. É indescritível os acontecimentos quando a bola rola. Os corações palpitam dentro do peito a cada toque na bola. Até os poucos manifestantes que protestavam próximos do estádio se curvam diante da magia do futebol. Brasil! Brasil! Era o grito que se ouvia a plenos pulmões.
Parecia fácil. No fim do primeiro tempo a seleção brasileira ganha da Argentina por 2 a 0. Tudo é festa no país do carnaval. Alguns até já falam em duas semanas de feriado nacional para comemorar a façanha. A empolgação é geral. Ninguém mais lembra que deveria ter sido construído escolas e hospitais em vez de estádios. Ninguém mais lembra que milhões de reais foram desviados dos cofres públicos nas obras da copa e quem vai pagar essa conta é o brasileiro. Ninguém mais lembra que as obras de mobilidade, os centros de treinamentos, os aeroportos não ficaram prontos e, talvez, nunca ficará. O que importa isso? Importante é o Brasil ser hexa.
O improvável acontece. O raio não cai duas vezes no mesmo lugar, pelo menos é isso que todos pensam. A Argentina empata o jogo no segundo tempo e o jogo ainda não acabou. Faltam menos de cinco minutos para o apito final. Se der empate vamos ter uma prorrogação e, persistindo o empate, vamos decidir nos pênaltis. Alguns comentaristas já lembram 1950. Era o Uruguai. Não pode ser. Isso não! De novo não! O brasileiro não merece isso.
Quarenta e cinco minutos do segundo tempo. Uma falha incrível do zagueiro do Brasil e a bola sobra para o atacante argentino fuzilar sem dó nem piedade. Há um silêncio sepulcral no Brasil inteiro. Galvão Bueno fica mudo. O grito de é Hexa! É Hexa! É entalado na garganta dele. Parece que tudo vai desabar. Nem mesmo a torcida argentina acredita no que seus olhos contemplam. É inacreditável. O placar do Maracanã mostra Brasil 2 X 3 Argentina. Durante alguns segundos que mais parecem uma eternidade todos ficam atônitos. Há um pavor geral no Brasil. Narradores silenciosos, comentaristas sem palavras, torcida boquiaberta. Não é possível. O silêncio é interrompido pelo apito final do árbitro. Final de Copa do Mundo Fifa 2014 no Brasil. A Argentina é tricampeã do mundo!
Tudo bem. Eu explico. Logicamente que a história acima não passa de fruto da minha imaginação. No entanto, gostaria muito que fosse assim. Não que eu não goste do Brasil e da seleção. Muito pelo contrário. Eu sou brasileiro e amo o meu país, assim como a minha seleção. Amo a minha pátria. Mas não posso me conformar com o que acontece a minha volta. Vai ter protesto durante a copa do mundo? Com certeza sim. Mas os protestos não são capazes de sufocar um órgão tão poderoso e inescrupuloso como a Fifa e a mídia que a defende. Quem mais vai lucrar com a Copa do Mundo? Além dos políticos e grandes corporações que já embolsaram os seus milhões com o superfaturamento das obras, a Fifa é a grande beneficiaria da realização da Copa do Mundo.
Nos anos 1950 o brasileiro ainda não era tão fanático por futebol como é nos dias atuais. Mesmo assim, a derrota para o Uruguai causou comoção no país inteiro e, até hoje, procuram os responsáveis pela tragédia. Nos ano 1970 o governo militar usou a seleção como trunfo para esconder as mazelas e torturas que sufocavam a nação brasileira. Como faziam os imperadores romanos no Coliseu dando pão e circo para os seus súditos na esperança de que o povo esquecesse os descasos, da mesma forma vemos isso acontecer no Brasil em pleno século XXI. Tudo bem que a dominação ideológica hoje é bem mais sútil e devastadora do que naquela época.
Sou brasileiro, mas penso que seria uma boa se o Brasil não ganhasse essa copa. Não que isso vá resolver os problemas emergenciais como saúde, educação e segurança para não citar as outras áreas, mas, pelo menos, no meu entendimento, abriria um pouco os olhos de muita gente. Logo após a Copa do Mundo, vamos ter menos de três meses para decidir o futuro do nosso país através do voto. A hora da manifestação, então, é chegada. A hora do protesto que faz a diferença. Chega de pão e circo. Chega desses espetáculos para enganar a massa. Acorda Brasil!
Porque no meu sonho o Brasil perde para a Argentina? Por que, no meu ponto de vista, nenhuma derrota seria tão impactante no coração do brasileiro do que perder a final para a Argentina. E, as maiores reflexões acontecem nos momentos de maiores dores. Um golpe para curar outro golpe. Brasil, ame-o ou deixe-o! Hoje já são mais de 190 milhões em ação. Pra frente Brasil, salve a Seleção!
Termino esse texto sabendo que muitas críticas virão e que nem todos concordarão com meu ponto de vista. Ainda bem que moramos em um país onde existe a liberdade de expressão. E, pode ser que nada aconteça do previsto por mim aqui neste espaço. Pode ser que o Brasil vença, pois tem seleção para isso, (apesar de haver boatos que o troféu já está comprado para o Brasil) e os brasileiros façam a festa pelo país inteiro. Pode ser que se comovam com isso e votem com consciência nas eleições em outubro. Pode ser que o montante arrecadado com os jogos sejam revertidos para a educação e a saúde com construções de escolas e hospitais para atender a população que mais precisa. Pode ser.
Texto: Odair