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Volto às luzes
de outro ontem
mais longe, mais perto.
Também há árvores
da mesma espécie
que fotografei
outrora
com os olhos de vidro
e feitiço
que a tecnologia deu.
A espécie
da semente
em forma de barco
de navegar mares
de gramas e terra
onde caem.
Castanhas
pratos
a servir periquitos
desequilibrados,
também verdes,
gritando
agradecidos.
Ou ofendem as árvores?
São dos boatos
e pios
os pássaros,
falou-me outra vez
um azul.
São contadores
de notícias
às árvores
que os esperam
plantadas.
Um passarinho me contou
tudo isso
no dia em que
disfarcei-me árvore.
Tal como o cão,
o pássaro reconheceu
o engôdo,
mas a memória
do pássaro
não era urina.
A memória do pássaro
é alimentar-se
e alimentar a árvore
de notícias dos céus.
Foram as andorinhas
que contaram
às árvores da semente
de barco
sobre mim
e meu disfarce.
Como seu eu fugisse
do sumo
dos frutos
que planto.
Se há pranto?
Claro.
E tantos, escuros,
escusos...
Tentam apagar-me
e apego-me a eles.
Logo de árvore,
lagos de água,
quase dissolvo-me
em pranto.
Chovo choro.
Porém,
estando árvore
ou pretendendo-me
mais clorofila,
lembro que o choro,
chuva do céu de mim,
é sempre sede de nós,
verdes.
Se acho a chuva pranto
fico rígido
como este poema-árvore
e escorro-me
em lava,
chuva.
A lava que atravessa-me
tronco
também desconfia do tato.
A minha pele mais fina,
impossivelmente casca,
dividindo
dentro e fora de mim.
Dentro é outro universo.
Feito da mesma coisa?
Feito da mesma matéria
mole,
suposta matéria prima
de poeta?
Feito de dores?
O que há dentro da árvore
além da seiva?
Sei-o,
por fazer-me ser.
Sou seiva na selva
dessa aurora
na contemplação dos ipês.
Enfim, as flores.
Não digam que não falei
de flores.
Há um ipê alaranjado
enfeitiçando a mangueira
dos cachos de fruta santa.
O ipê enfeitiça mangueira
com a linguagem
das árvores
que é a mesma dos ventos
e dos pássaros.
Aliás,
o vento é a música
que árvores dançam
com seus ventres
de árvores.
Falar mesmo,
só os pássaros,
contadores de notícias
que a todos dão psiu.
Psilocibina é um cogumelo.
Coisas quase árvores,
só que azuis.
Não os quero,
nem em chá.
Melhor deixar pra lá
e divagar
que as
anacardiáceas
dançam ao sabiá
que o ipê
não enfeitiça
nada.
O ipê é o próprio feitiço
das árvores.
Árvores quase azuis,
psicodélicas,
querem além do verde turvo.
Fazem nuvem de ipês
e forjam neve.
Tilintam folhas verdes
em riso tácito
de folhas,
moçoilas bailarinas
de vento e riso.
Ri ri ri
Todas elas,
anacardiáceas feiticeiras.
De tanto disfarçar-me árvore
e fingir-me aceito,
passo a saber coisas
das raízes.
Entro dendro,
dentro da árvore,
dentro de mim
(a mesma coisa),
aprendi a introspecção botânica
ou a dendrospecção.
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