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O IDOSO E A... MONTANHA!

 
 
(PRIMEIRA PARTE!)
Quem se coloca (ou foi colocado) no pico de uma montanha de exagerada altitude tem a sensação do pleno domínio do que a sua vista observa ao redor e embaixo.
Para o observador em referência, o topo em que se encontra é o seu pedestal indivisível e inatacável:
É um dominador! E, ao mesmo tempo, um controlador imbatível e inacessível.
Ele chegou ao cume lutando desbravadamente com, ou contra, os seus pares, aos quais nunca consideraram iguais a ele.
Efetuou coligações e conchaves espúrio e com benefício apenas para Ele.
A cada passo dado em direção ao píncaro, foi pisoteando os seus companheiros de jornada, aos quais denominava apenas de “peças de reposição” ou... Descartáveis!
Dos mais próximos aos mais distantes do seu relacionamento, foi os escorraçando e humilhando na presença dos demais.
A sua meta era chegar ao local mais alto e de melhor comandamento sobre todos.
Em nenhum momento do seu sinuoso e aclive deslocamento, teve a hombridade de reconhecer ou agradecer a ajuda lhe dada pelos seus auxiliares, não projetando a eles nem sequer um simples sorriso.
Com o inexorável decorrer da vida pelo tempo, Ele foi se aperfeiçoando na tática do engodo e das promessas nunca cumpridas, porém, feitas com esmero detalhista de fingida divisão unânime para o livre e voluntário aceite dos demais.
No trajeto até ao cume, passou por várias situações, inclusive perigosa e/ou constrangedoras, todavia, sempre aflorava ileso deixando atrás de si um lamuriento reclame dos insatisfeitos e por ele prejudicado.
Era um vencedor nato e um atropelador cruel de quem, mesmo o ajudando, tentava se colocar à sua frente na subida pretendida.
Não justificava nem perdoava a nenhum erro, nem o de menor importância ou repercussão.
Na subida até ao apogeu, teve a ajuda de toda a classe de pessoas, desde os mais analfabetos até os doutores, dos operários aos empresários, dos faxineiros aos abastados, dos auxiliares de laboratórios aos cientistas, de alunos a professores e, de honestos a... Bandidos!
A todos descartava ou empurrava “para baixo” a cada patamar atingido!
Sozinho “consigo mesmo”, fazia uma “mea culpa” e se considerava o mais lídimo dos homens.
Na véspera de alcançar o pináculo de comandamento, no ponto mais elevado da montanha, efetuou uma espécie de inventário sem dividendos equânimes, dessa forma, determinou aos mais próximos dele que deveriam ficar e dominar às camadas abaixo, usando o poder do direito da força sem dar aos inferiores à força do direito de, ao menos, reclamarem.
As arrecadações monetárias resultantes deveriam ficar num cofre forte e só poderiam ser manuseadas por Ele...

O “DONO DA MONTANHA!”

Todos deveriam se contentar em se posicionarem em plano inferior ao Dele, com os descontentes, a cada ação reinvidicatória apresentada, sendo forçados para as vertentes até ao sopé.
Do alto da montanha, abrangia os horizontes com os seus olhares de rapina e com o “peito” estufado de bazófia e orgulho, mesclado com a cupidez, intolerância e um mesquinho egoísmo.
A sua família deixara o amor pelo caminho e o seguia apenas pelo respeito...
Medo mesmo!
Do seu “trono”, via mais próximo, no rés do sopé da montanha, as lavouras em tempo de colheita e um formigueiro humano entremeados aos pequenos arvoredos mesclados de pés de milho, feijão, arroz, verduras, e outros.
Naquele momento de embevecimento, um sinistro esgar de sorriso repuxava a comissura dos seus lábios:
“São as minhas formiguinhas arrecadadoras para o meu paiol e, consequentemente, para o meu bolso!” — pensava nos intervalos do arremedo de sorriso.
Mais ao longe, eram vistas as cidades circunvizinhas da montanha com às suas fumaças e barulhos tonitruantes, abarrotadas de outro tipo de formiguinhas, mais parecendo besouros, por vestirem-se diferentes dos agricultores, ao que, o observador pensava :
“São os meus besouros comerciando e pagando impostos para me manterem aqui em cima a dominá-los, evitando que eles tenham que pensar na forma de repassar às suas produções ou se estafarem só em pensar em seguir os meus passos montanha acima”.
Desde quando deixara o “rés-do-chão”, medrado dos cidadões comuns e dos carentes de tudo, aprendera e apreendera que a vitória, qualquer que seja ela, só seria conseguida com esforço próprio ou apropriada de outrem. Sufocando os eventuais ou diretamente rivais, colocando como meta a de que “os fins sempre justificam os meios”, com isso, se tornara um “cientista” no ludibrio e na apropriação indébita das idéias e das comodidades adquiridas com os esforços alheios.
Tinha formação universitária com louvores, porém, já, no início da subida ao topo da montanha, descobrira, sem nenhuma surpresa, de que os conhecimentos da cátedra escolar de nada o ajudariam na “subida”, pelo contrário, tivera que mascarar e até sepultar a sapiência em prol do engodo, periculosidade, arbitrariedade com violência e muitos outros predicados ou adjetivos “negativos”. Que, colocados na sua “balança mental”, lhe deram o discernimento maculado de serem muito mais úteis para vencer aos demais do que a escolaridade adquirida nos bancos escolares.
No “mergulho ao contrário” dado em direção ao cimo, pouco lhe importou a aquiescência, ou não, da sua família e, com prazer, reparou que os seus familiares mais próximos não se desagregaram Dele, aceitando receberem as migalhas que ele deixava escapar por entre os dedos. Quantia essa apenas a suficiente para mantê-los coligados e prestativos para, ao mesmo tempo, dar uma satisfação pública da fingida unidade da sua família com ele.
A todo o momento, recebia sorridentes assistentes que, curvados em vênias seqüentes, lhe transmitiam as novidades e a prestação de contas do que estava transcorrendo em plano inferior ao dele, por ele cognominado de “Porão amealhador dos seus bens materiais” reduzido para “Porão” astuciosamente, para não ferir suscetibilidades ocasionais.
Junto dele só era permitido o mais graduado, assim mesmo, pelo tempo restrito às prestações de contas.
Era um “rico ilhado”, porém, sentia um prazer insano nesse isolamento que chamava de “o descanso do guerreiro invencível!”, entretanto, pela ordem natural das coisas, em que “os pares só são compatíveis quando perfeitos”, Ele começou a sucumbir, paulatinamente, à mesmice, isolamento e ao tédio do cotidiano.
Passo a passo, pressentia que algo estava errado com ele.
A princípio, pensou que fosse a ausência de uma maior platéia em admiração constante, ocasião em que determinou que, duas vezes por semana, deveria ser feita uma festa supimpa em um dos “andares de baixo” quando Ele deveria ser a estrela principal do acontecimento...
Enganou-se redondamente!
Não teve a compensação desejada para o seu equilíbrio emocional, e começou a deparar com o fato de que as atenções lhes dirigidas não passavam de submissão forçada e, tal precedência, até os carcereiros às recebiam dos reclusos sob a guarda deles.
Retornou ao ponto mais alto da sua pirâmide pessoal e...
Ao abandono!
Tinha quase tudo, contudo, lhe faltava a felicidade plena do aproveitamento do que conseguira com muito esforço.
Um dia, para tentar satisfazer o seu ego, mandou que fosse levado à sua presença o senhor mais idoso do seu domínio, sem nem saber a razão de tal solicitação e escolha.
*
Clemente já perdera a contagem correta dos seus anos vividos, dessa forma, quando perguntado sobre a sua idade, respondia simplesmente:
Bem mais de cem!
Residia numa casinha de “pau a pique” sem reboco e coberta de telhas de barro, mescladas com pedaços de telhas de amianto.
A casa não era dele, todavia, nem ele sabia quem era o proprietário, com o dono da casa não se preocupando com a locação dela.
Com o passar dos anos e a conseqüente morte da maioria dos Idosos, ninguém reivindicou a moradia, e ela, definitivamente, ficou sendo conhecida como a “Casa do Idoso Clemente”.
Ele residia no povoado conhecido como Vau, às margens do rio Jequitinhonha e divisa dos municípios de Diamantina com o do Serro, não mais cuidava da lavoura, vivendo, tão somente, da pescaria no grande rio e no local denominado, há séculos, como a “Ilha do Pagão”.
A maturidade lhe ensinara muita coisa, inclusive a arte da pescaria, dificilmente retornava dela sem uma “enfieira” de grandes peixes, prontamente trocados numa venda do povoado por mantimentos e querosene.
O povoado era muito “atrasado” com os poucos habitantes cuidando de pequenas lavouras e do garimpo de diamantes, a cada dia, mais difíceis de ser encontrado, o único laser existente eram as conversas ao redor de fogueiras nas noites de estio e, alguns, a jogarem “truco” com intercalados gritos pela noite à dentro.
Todos dormiam cedo e cedo se levantavam.
Um pouco afastado do povoado, ficava o Pico do Itambé, o quarto mais alto do “mundo de Clemente”.
Nas rodadas de jogo de baralho e nas conversas junto das fogueiras, de quando em vez, se falava de um Homem que era muito poderoso e que dominava toda a região até as mais longínquas.
Também ficara sabendo que o “Homem poderoso” tinha um exército de ajudantes ao seu comando e que cobrava ajuda financeira escorchante de todos os seus subalternos. Contudo, a ninguém era permitido dizer o seu nome, principalmente em público, com isso e, por isso, com o inexorável passar pelo tempo, o nome dele praticamente foi apagado das memórias pelos falecimentos sucessivos de quem ficara sabendo, anteriormente, o seu nome.
Os mais “chegados em seu círculo de conhecidos”, os bajuladores e os mais humildes, se referiam a ele como sendo:
“O dono da montanha e de todos nós!”
A “arraia miúda”, ou seja, o populacho ou a ralé, o apelidou, às escondidas, de: “SEM NOME!”
Para o “Idoso Clemente” tais informações pouco lhe interessavam, desde a meia idade ou a “idade da razão”, aprendera que o principal na vida era viver e deixar os outros viverem da maneira que quisessem ou assim o entendessem.
Não ligava para os escândalos, “fofocas”, brigas de qualquer volume ou intensidade, amores e ódios, fortunas e miserabilidade. Para ele, a pessoa mais importante do seu “universo” era exatamente a que via em todas as manhãs, num caco de espelho num canto do exíguo quarto, isso sem nenhum resquício de orgulho ou “Narcisismo”, apenas, observava, lavava o rosto com a água de uma velha moringa de barro, e saía para a pescaria do seu sustento.
Era um convicto solitário silente e observador de tudo o que o rodeava, não se considerava um mendigo porque nada lhe faltava do pouco que precisava e se contentava, nunca se casara e não mais se recordava dos seus parentes que ficaram pelos “caminhos na jornada da vida”.
De quando em vez, “via”, em sombras retorcidas, às imagens dos seus pais para, em seguida, as confundir com a dos seus irmãos, igualmente falecidos.
Não sentia remorsos por esse esquecimento em razão de entender que, em quaisquer lugares em que os seus estivessem, na certa, estariam bem melhores do que ele e “viviam” pescando nas águas claras do paraíso.
Aprendera desde cedo a ler, escrever e efetuar as quatro operações da aritmética antiga e, isso, para ele era, e sempre fora, o suficiente.
A sua falta de ambição não lhe permitiu seguir alguns dos seus conterrâneos à procura de trabalho em outras localidades mais civilizadas ou, pelo menos, de maior ajuntamento populacional.
Quando algum jornal ou revista lhe caía às mãos, os lia com sofreguidão e, ao mesmo tempo, com consternação pasmática, ao constatar que o homem, de umas décadas anteriores até o presente, estava se transformando em predador dele próprio, num acotovelamento infame e injusto à procura do vil metal e das suas benesses.
A cada notícia que lhe chegava aos ouvidos ou ao seu conhecimento, da violência que era praticada nos grandes centros e que se aproximavam até dos grotões, como o faz às pedras jogadas em lagoa serena alcançando às margens, mais e mais, ele se alegrava de não ter abandonado o povoado do Vau e suas circunvizinhanças.
Com a maturidade adquirida à partir da idade da razão, passou a descobrir que era um “doutor” no seu modo de vida campestre e de boa convivência com os demais.
Era considerado por todos e conselheiro oficial da localidade, procurado, a todo o momento, para resolver os mais intricados problemas e...
Dava uma solução aceitável e correta saneando todos os eventos lhes trazidos pelos vizinhos.
Conhecia todas as ervas e às suas aplicações para a cura das mais variadas doenças, contudo, detestava quando era chamado de “curador” por entender que as folhas e sementes nada mais eram do que uma essência fornecida pela natureza para a cura dos homens e oriundas de Deus.
Nada cobrava pelas consultas e curas que atendia, limitando-se a dizer:
“Quem cura é o nosso Deus!” e os conselhos que dou nada mais são do que o reflexo da minha maturidade pelos “caminhos da vida, a observar os escorregões dos meus companheiros de jornada” quando, por isso mesmo, aprendi muito mais com os erros dos outros do que com os meus acertos ou com os deles.
Há décadas abandonara o seu último par de sapatos em prol de uma folgada sandália franciscana.
Não tinha nem usava ternos, limitando-se a trajar apenas uma calça e uma camisa comuns, detestava cuecas dando preferência a um calção de zuarte com a alegação de ele ser mais prático tanto para proteger a sua genitália como para entrar no rio quando o anzol ficasse preso nas suas constantes pescarias.
Trazia sempre consigo uma medalha de Nossa Senhora das Graças sem nenhum fanatismo, aliás, quando lhe perguntavam a razão de tal posse, sempre dizia que considerava a medalha como um retrato de um ente amado e idolatrado sem a considerar um ídolo e sim, uma lembrança terna.
Nunca mentiu para ninguém e era conhecido como uma pessoa de uma franqueza sem par-Sempre respondia ou dizia a verdade em quaisquer circunstâncias, porém, sem deixar o seu ouvinte constrangido ou decepcionado.
Não tinha mais nenhum documento pessoal, quando era interrogado por tal falta, respondia:
“Os meus cabelos brancos e as minhas rugas falam e mostram a minha pessoa muito melhor do que um pedaço de papel”.
Uma vez por semana, uma vizinha caridosa ia até a casa de Clemente e arranjava tudo, inclusive lavando as poucas roupas dele, ocasião em que ele, voluntariamente, saia da residência e ia para a beira do rio.
O interessante disso era que nunca agradeceu tal ajuda nem as cooperadoras se importavam com o seu silêncio, para ele e elas, a ajuda prestada e recebida era normal, contudo, a cada arrumação da sua casa e objetos, Clemente se desdobrava em ajudar e aconselhar outras pessoas que dele viessem a precisar.
Quando algum engraçadinho o chamava de “Santo”, respondia que isso era uma blasfêmia, alegando que nada mais era do que um ser vivente esperando o seu desenlace e um cantinho no “seio de Deus por toda a eternidade futura”.
*
Chefe!
—Aqui não tem nenhuma tribo, limite-se a dizer o que tem para informar-me que estou com enxaqueca.
—Raspando a garganta humildemente, um jagunço se aproximou do mirante e disse ao “maioral”:
No povoado do Vau, perto do Serro e nas margens do rio Jequitinhonha, não muito distante da sua cabeceira, reside um Idoso com uns cento e tantos anos, completamente lúcido e tido como um verdadeiro líder ou “guru” naquela vila.
—E daí?
—Eu fiquei sabendo que o senhor dera ordens para ser trazido até aqui em cima a pessoa mais velha do seu domínio, por isso, vim lhe informar da existência de tal senhor, que é conhecido apenas como o “Idoso Clemente!”.
—Realmente! Tinha me esquecido, pegue dois ajudantes e me traga o Idoso até aqui, contudo, antes, faça com que ele tome um banho e troque de roupas... Não gosto da fedentina dos velhos!

*
Senhor! Está na ante-sala um Idoso com os cabelos todos embranquecido e olhar altivo, foi conduzido pelo meu chefe e responsável pela sua segurança pessoal.
—Ele está apresentável e limpo?
—Razoavelmente!
—Como assim?
—Foram necessários quatro dos nossos para obrigá-lo a tomar um banho e trocar de roupas, mesmo assim, ele só aceitou uma calça e uma camisa das mais baratas e permaneceu com as suas sandálias, essas, lavadas pelos que lhe deram o banho forçado.
—É, pelo menos, educado?
—Até por demais, a todos chama de senhor, inclusive aos que o forçaram a tomar banho.
—Depois de darem uma nova busca pessoal nele para termos a certeza de que nada trás que possa atingir-me, faça-o entrar na minha sala belvedere e ocupar uma cadeira em frente a paisagem natural das outras montanhas menores e de suas cercanias.
—Agora mesmo senhor.
O ajudante conduziu Clemente até ao mirante notando que o “Dono da Montanha” não estava à vista, em seguida, mandou Clemente ocupar uma poltrona e saiu fechando a porta.
Por detrás de uma cortina, o “Senhor da Montanha” ficou observando o Idoso.
Clemente ocupou a poltrona e ficou olhando o panorama em frente sem nada vasculhar na sala, ao entrar, apenas dera um ligeiro olhar circundante, ocupou o assento e fixou os seus olhares na imensidão extra-sala.
Os minutos foram passando e nenhum dos dois se mexia ou mudava as suas posições de completo repouso. Clemente, simplesmente girava os olhos como que se deleitando com o que via e, o “Dono da Montanha”, expectante e “tremendo” internamente sem conseguir entender a razão de um Idoso paupérrimo e deslustrado, além de anti-social, não se interessar pela grandiosidade do ambiente que o cercava pelas costas.
Após alguns minutos, desistiu da observação silente e chegou, de repente, à frente de Clemente, que se limitou a desviar a cabeça retornando a mirar a paisagem à sua frente.
Pigarreando fortemente e enchendo o “peito” de ar, o Dono da Montanha se dirigiu diretamente a ele:
—Você sabe onde se encontra?
—Sei! Estou dentro de mim, apesar dos seus ajudantes terem tentado, inutilmente, extrair-me com uma ducha de água.
—Um banho não faz mal a ninguém
—Concordo! No entanto, ele só é necessário para a limpeza de quem esteja sujo o que não era o meu caso, também, a minha humilde roupa foi trocada desnecessariamente, estava limpa e perfumada.
—Fale-me, voluntariamente, sobre a sua vida até este nosso encontro.
—Que de voluntário nada tem, não estou aqui por minha iniciativa própria.
Para contar ao senhor a minha vida, necessário seria que o senhor descesse desta montanha e fosse até a minha casinha perto da Ilha do Pagão, no Vau, porém, como estou pressentido estar frente à frente com um carente sem personalidade definida, e desiludido das verdadeiras vantagens de viver, vou abrir uma exceção e tentar colocar em “pratos limpos” a verdadeira situação em que o poderoso senhor se encontra.
—Atrevido! Eu poderia mandar chicoteá-lo e até matar.
—A mim... Não! O máximo que conseguiria seria voltar a sujar-me depois da limpeza forçada a que me submeteu, entretanto, nenhum mal me faria, pelas seguintes razões óbvias:
É um poderoso senhor e, para manter-se na direção dos seus acólitos, precisa atuar com inteligência e, ao mesmo tempo, com prudência.
Chamando-me do grotão, um Idoso com quase cento e trinta anos, pobre e iletrado, dando-me um banho e me trocando às roupas, além do fato de me dar uma audiência reservada que, diga-se de passagem, não solicitei e, os seus ajudantes sabem disso. Para, em seguida, mandarem os seus servidores me baterem e até matar, fato esse que acabará por deixá-lo vulnerável em razão de eles passarem a imaginar que, com tanto esforço para arrebanhar-me até ao seu mirante e, em seguida, me punir severamente. Isso só poderia ter acontecido pelo fato de um “ninguém” tê-lo resistido e não ter conseguido nenhuma “moeda de troca” para convencer-me do que pretendia comigo.
Pouco tempo depois do meu suplício ou morte, o fato será vivificado pelos seus assessores em cada encontro que tiverem e, daí, para uma rebelião é um pequeno passo!
Lembre-se de como o senhor chegou até este belvedere, o mesmo poderá ser feito pelos que estão no “andar de baixo”, que acabariam por projetá-lo montanha abaixo até ao sopé, quando passará a ser um “ninguém” como a humilde pessoa à sua frente.
—Credo! Você... Não existe!
—EXISTO! E ESTOU À SUA FRENTE EM DUPLICIDADE:
A parte externa que o senhor vê cheia de rugas, manchas e cabelos brancos e, a parte interna, que o senhor não vê, porém... Anseia em conhecer!
Acreditando que já desistiu de punir-me além do banho forçado, vou contar-lhe algumas facetas da minha longa e valiosa vida (pelo menos para mim), resumidamente, trata-se do seguinte:
“Eu vim ao mundo, antes da libertação dos escravos, numa localidade antigamente denominada de Santo Antônio do “O”, perto da vila do Vau, local em que o senhor mandou buscar-me e, nestes anos todos, nunca consegui saber a razão do nome do lugarejo que ouviu os meus primeiros choros.
Os meus pais eram lavradores sem terras, contudo, cultivando livremente na região e sem nada pagarem pela colheita, em razão do proprietário das terras de então ser um homem muito bondoso e rico.
Aprendi a ler e a fazer contas com os mais Idosos do povoado num tempo em que, ao se freqüentar uma escola, ficava-se sabendo muito mais do que na modernidade e metodologia de hoje.
Quando eu tinha uns doze anos de idade, perguntei ao meu pai por qual razão eu tinha a pele branca e ele com a minha mãe eram da cor do carvão, com o meu genitor me dizendo:
“Vou para a roça... a sua mãe lhe explicará!”
Com a saída do meu pai a minha mãe me disse:
“Na quaresma do ano em que você veio ao mundo, chovia torrencialmente e o seu pai estava no Vau”.
Por volta da meia-noite, ouvi um barulho ensurdecedor de raios e, quando virei para o canto da minha cama, você estava ao meu lado despido e chorando muito.
Levantei-me “meio atoleimada”, molhei um pano no leite e espremi na sua boca, a partir daí, passei a criá-lo como se fosse o meu filho.
No princípio, ouve surpresa dos vizinhos, mas, como eu era gorda e estava emagrecendo, acabei por convencê-los de que escondi a minha gravidez e que você era realmente o meu filho.
Nunca ninguém o reclamou nem ficamos sabendo do desaparecimento de nenhuma criança naquela época.
Colocamos em você o nome de Clemente que, para nós, era uma forma de nos perdoar pedindo clemência a Deus por não termos procurado com insistência os seus pais legítimos.
“Por muito tempo pensei que você viera para nós quando do raio forte que caiu e me fez virar para o canto da cama com medo.”
*
Assim que eu completei uns trinta e poucos anos, os meus pais vieram a falecer e, por um desses mistérios insondáveis de Deus, os dois morreram fulminados por raios, quando, na lavoura, se esconderam debaixo de um jacarandá a fugir de uma chuva torrencial.
Junto com três irmãos, enterramos os nossos pais e cada um tomou um destino diferente, comigo permanecendo na região, porém, indo para o Vau ali perto onde trabalhei na lavoura do mesmo fazendeiro que o meu pai plantava em suas terras no “O”.
Trabalhei, trabalhei e... Trabalhei! Por anos a fio.
Nunca fiquei rico ou tive posses, mas, em contrapartida, também não fiquei mais pobre do que sempre fora.
Em nenhum momento da minha vida, pensei em mulheres como sexo oposto ao meu, não era (e não sou) homossexual, contudo, nunca me interessei em copular com nenhuma mulher por mais bonita e sensual que ela fosse, tinha ereções normais e elas desapareciam seguidamente sem a minha intervenção física. Não sei explicar o motivo, já que não tinha e nunca tive aversão por ninguém, nem pelos maus e irrecuperáveis.
Desde o meu nascimento, passando pela morte dos meus pais, em toda tempestade em que havia raios a minha memória desaparecia e só voltava a ter o meu controle emocional e físico quando a bonança retornava com o passar da tempestade.
Também não sei explicar isso, contudo, muitas das vezes, quando os raios começavam a cair e eu, a descoberto, estava molhado, quando voltava daquele transe à minha realidade, via que estava completamente enxuto e saudável.
Acredito que, se as tempestades com raios acabarem, eu estarei condenado a falecer ou desaparecer.
Desinteressado do casamento e de me deslocar do Vau para os maiores centros populacional, passei a ler e estudar tudo o que me caia às mãos, até bula de remédios.
Procurei ser bom para todos e ajudar a quem de mim precisasse, totalmente desinteressado da reciprocidade.
Com o passar dos anos, comecei a notar que era acatado e consultado por muitas pessoas de escolaridade muito acima da minha que, praticamente, era empírica, com isso, passei a receber o respeito e a amizade dos vizinhos e até os de outras localidades que iam ao Vau apenas para conversarem comigo, segundo me diziam.
A minha vida voluntária de “solitário estando inserido aos outros” fez-me compreender que as alegrias e tristezas têm que ser compartilhadas e são carentes de uma platéia para serem delimitadas ou expandidas, com isso, passei a servir sem ser solicitado e a comparecer sem estar presente no total de mim mesmo.
—Espere!... Meu Idoso, explique-me essa contradição absurda, intrometeu-se o “Dono da Montanha”.
—Eu agradeço o possessivo “meu” antes de chamar-me de idoso, significa que estamos nos comprometendo, pelo menos no diálogo em pauta.
—Não me enrole! Apenas responda a minha pergunta.
—Quando nos encontramos perdido numa ilha deserta qualquer, o que mais almejamos é o calor humano, até mais do que outra coisa, mesmo que o personagem que chegue seja um bandido ou um inimigo nosso.
Com a alegria e a tristeza ocorre a mesma coisa, ambas precisam de companhia, quer seja para o prazer ou para o pranto, sem esses “condimentos” Elas se perdem no vazio de nós mesmos sem se expandirem ou se contraírem, justamente pela falta do contencioso ou do arrimo externo.
Se estivermos tristes, alguém tem que nos acalentar ou... Azucrinar-nos!
A ausência da “platéia” é o vácuo do sentimento penetrando em nós mesmos, isso acontecendo com a alegria que precisa da conivência ou convivência do aplauso para ter efeito veraz.
Assim pensando e convivendo, aprendi a “servir sem ser solicitado” amenizando as tristezas dos outros ou servindo de reflexo para as suas alegrias e, por via de conseqüência, aprendi a “comparecer sem estar de todo envolvido ou presente”.
—Como assim?
—Não me deixando compartilhar nem compactuar com os sentimentos dos outros, simplesmente estando presente no físico com o meu espírito vagando, porém, contido em mim mesmo, ou seja:
Ora, dando um ombro amigo para os tristes em seus sofrimentos, ora, um sorriso, acenos e palmas para o possuidor da alegria.
Tudo isso, baseado no princípio da não intervenção e da não sugestão indo de mim para os outro, dessa forma, aos poucos, ia amenizando as tristezas sem agregá-las ou inserir na “alegria” e, vice-versa.
Com o passar dos anos, fui adquirindo o caldeamento necessário e a têmpera condizente para ir, aos poucos, moldando o caráter das pessoas perto de mim e sempre usando o meio-termo das tristezas e das alegrias que presenciava e ajudava a equilibrá-las sem interferir nas suas origens.
Aprendi e apreendi, também, que a alegria só terá valor real se, antes, a pessoa tiver sofrido com a tristeza. A primeira, é o coroamento da luta do homem contra os atropelos e desajustes da “jornada pela vida” vencendo as vicissitudes do cotidiano, em contrapartida, uma “viagem pelo tempo passado” onde só tenha havido a alegria constante, leva o viandante ao marasmo, descaso, desinteresse e desvalor do seu labor pelos “caminhos da existência”.
De lavrador passei a ser pescador, primeiro, porque às minhas pernas e costas passaram a reclamar da minha vontade férrea de trabalho e, segundo, em razão de ter aprendido que, se o nosso planeta tem três partes de água para uma de terra firme em sua superfície e, morando na superfície, a minha “lavoura aquática” me renderia muito mais para o meu sustento do que jogando sementes a doer-me os ossos centenários em apenas um terço de terra visível do planeta.
A pescaria me fez muito bem ao físico e a mente, aprendi com ela, dentre outras coisas, às seguintes:
Apetrechos adequados com material apropriado a cada incursão a ser feita;
Definir o melhor ponto, local e horário para o mister que se deseja cumprir;
Espreitar em silêncio e com paciência;
Não discriminar nem escolher o melhor, sempre se contentando com o que receber pelo meu trabalho;
Conviver com a natureza de forma harmônica, mesmo sendo um predador dos peixes, título este amenizado para o meu sustento vital, e acreditando que os peixes foram colocados nas águas para o nosso consumo, não fora isso, às suas proles não seriam tão fecundas e diversificadas.
Sair de mãos vazias e retornar com elas abarrotada de pescado, com isso, não ocorrendo à necessidade da troca recíproca, a não ser às iscas jogadas aos nautas sem os forçar a aceitá-las em troca das suas vidas... Nosso sustento!
Aqui cabe uma observação e uma comparação:
Se aos peixes fosse dado o tirocínio, inteligência e sapiência, eles dariam gargalhadas efervescentes ao ter uma isca à sua frente o atraindo para a prisão ou a morte, não tendo esse saber, vão, vorazmente, para o anzol ou redes — Como a maioria dos homens acontece a mesma coisa, a ignorância nos trâmites da saúde e da escolaridade os levam direto ao engodo lhes jogado em cima como vantagens e benesses e ... Acabam no “anzol” dos mais espertos!
O senhor é um exemplo vivo de tal espécie de “pescador” de homens, os dilapidando até as entranhas!
—Atrevido! Como ousa me enfrentar aqui em cima e em meus domínios?
—O senhor está enganado! Como pessoa bem próxima do “ninguém”, não o estou desafiando e nem seria imprevidente a esse ponto.
—Não o compreendi, a menos que esteja ficando surdo, ouvi claramente às suas ofensas à minha “autoridade”.
—Acontece meu solitário, rico e poderoso amigo, que lhe disse aqui me encontrar em duplicidade ou em “escamas”, o senhor está se impondo ao meu corpo físico, em razão dele ter liberado às palavras ou sentenças que lhe desagradaram, contudo, elas chegaram ao senhor vindas do meu espírito ainda contido pela matéria e inacessível ao seu poder, se pretende me punir unificando a minha “duplicidade”, não conseguirá “justiçar” o meu espírito o fazendo apenas com o meu físico forçosamente lavado pelos seus jagunços, entretanto, as palavras, com as quais o “ofendi”, continuarão no éter e, em silêncio, irão bradar no infinito ileso de quaisquer truculências ministradas ou dirigida contra a minha pessoa física.
—Quem lhe disse que sou um solitário?
—A casca da laranja a envolve sem dela possuir os gomos e os sabores, o mesmo acontecendo com outros inúmeros frutos. No entanto, tais envoltórios são os primeiros a serem vistos e admirados por um observador desprevenido ou apenas interessado. Contudo, quando vão se apossar dos frutos, “simplesmente, o descascam descartando as cascas e às jogando fora”.
—Seriam, assim, tão dispensáveis as cascas?
—Claro que não! A função delas é nobre e protetora, sem elas os frutos e às suas polpas se desidratariam, o valor da casca é temporário e simbiótico: Protege o fruto e dele recebe o sustento e o vigor.
—Idoso amigo você está divagando ou tentando me confundir.
—Obrigado pelo vocábulo “Idoso”, quanto a “amigo”, ainda falta consumirmos juntos uma saca de sal para que isso se concretize, só a convivência demorada, desinteressada e prestativa, leva o homem a ser amigo do outro e, eu, não acredito ainda ter o tempo de vida para ajudá-lo a comer uma saca de sal, todavia, agradeço, penhoradamente, o tratamento carinhoso a mim dispensado.
Quanto a sua imputação, não estou divagando nem tentando confundi-lo, acontece que, no momento, o senhor é a casca protetora deste domínio conquistado com acotovelamentos sucessivos.
Sendo a “casca”, ainda é o dono e protetor, porém, não podendo parar o tempo e estando apenas passando por ele, que é eterno! Dia virá em que acabará sendo “descascado” ou descartado por outra pessoa percorrendo o mesmo caminho da subida feito pelo senhor, acredito mesmo que “ele” já esteja galgando os primeiros patamares desta montanha.
A sua luta para chegar até este belvedere foi desgastante e sofrida, muito embora tenha feito maiores sacrifícios aos seus ajudantes e subalternos. No entanto, nesse embate diuturno, se esqueceu de mirar-se num espelho fidedigno e imparcial ou de coletar a sabedoria dos sábios. Com isso, a cada degrau vencido, não prestou a atenção que, sobre você, às aves, principalmente os urubus, apenas com um leve bater de asas, diversas vezes estiveram no alto da montanha na época da sua subida, para, em seguida, descerem em mergulhos rasantes para o sopé, pouco ou nenhum valor dando ao pináculo da montanha.
A diferença é apenas o poder monetário, a glória e o aplauso popular, aos quais, às aves não deram e não dão nenhuma importância.
Com o passar dos anos e a calmaria da vitória, o seu sangue rapinador e dominante passou a fervilhar em suas veias recebendo “duchas” geladas mescladas aos calores das “saunas”, ao perceber que vencera a todos sem, na verdade, ser um vencedor de si mesmo, sempre carente das “luzes da admiração” que, quando chegavam a você não refletiam sinceridade, pelo contrário, lhe apresentavam o seu “lado negro” de servilismo bajulatório.
Quando Deus fez o homem à sua imagem e quase perfeição, deu a cada um de nós às respostas aos eventos que se descortinassem à nossa frente, quaisquer que fossem eles, para tanto, permitindo que cada ser humano se dedicasse a observar ao derredor e, ao mesmo tempo, levasse a imagem do observado para o seu laboratório interno e espiritual, onde seria destrinchada, esmerilada, triturada, lapidada e, finalmente, que pudesse refletir para o exterior a imagem aprimorada do que vira, porem ... Mesclada ao seu ego e de impermeável formação justificadamente aproveitável para ele e para os seus irmãos.
Não querendo influenciar a sua criatura, deu a ela o livre arbítrio para decidir sozinho o que seria bom para ela e para os seus semelhantes.
Não preciso lhe dizer o que a maioria dos seres humanos conscientes, ou não, fizeram desse poder de autodeterminar-se.
Não querendo se desdizer ou desfazer do que criara e fizera, Deus retirou os homens do paraíso e os confinou neste planeta, que é uma espécie de reformatório e, nos Céus, aguarda que o homem, pelos seus próprios recursos e idéias, encontre o caminho até Ele.
Aos homens, deu um vestibular para ir para Ele, ou seja: TORNAR-SE UMA CRIANÇA!
É muito difícil e até quase impossível um homem robusto ou fraco, formado, rico, analfabeto ou pobre, aceitar ser uma criança para receber uma benesse em um lugar que nem mesmo, em sua maioria, acredita, com isso, continua o ser humano na cabotagem quimérica e imaginária à procura de um cais de esperança e de bonança.
O senhor, dono desta montanha, é apenas um átomo em relação a outros preponderantes e supliciadores, não chegando nem a condição de poder amarrar-lhes às sandálias, dentre eles, estão: “Gengis-Kan”, “Átila”, “Hitler”, “Bush”, “Sadan Housein”, ”Osama Bin Laden” e muitos outros conhecidos ou “enrustidos” terroristas ou espoliadores da humanidade.”
—Em razão de misturar o tratamento me dispensado e até me chamar de você, além, do mais grave, às ofensas que está me fazendo... Você só sairá dessa montanha direto para o cemitério!
–Para mm isso será indiferente, por várias razões, dentre elas as seguintes:
Eu domino a nós dois, ou seja:
Eu e o meu Eu interno, se vier a falecer o externo, que o senhor vê, o interno, que o senhor não vê, permanecerá por um longo tempo por aqui a perturbá-lo dia e noite.
Neste belvedere, praticamente falando a maioria das vezes sozinho, e só sendo interrompido para ser achincalhado pelo senhor, já me sinto num funeral de corpo presente e lúcido.
Como já lhe disse, matar ou mandar matar um Idoso com mais de cento e vinte e nove anos e pobre, só confirmará a sua incapacidade de me dominar, e dará alimento e mais força ao seu substituto que já está à caminho daqui.
Tenho a certeza de que o senhor está gostando mais deste diálogo do que eu... O emissor dele!
Observei que o senhor, a todo o momento, está olhando para outra montanha onde vê, ao longe e em plano inferior, nuvens nimbóticas e prenúncios de relâmpagos, com isso, está com receio dos raios chegarem a este mirante em razão de ter ouvido de mim o meu relacionamento com eles.
O senhor está preocupado com o fato de ter ficado sabendo de que nunca tive relacionamentos sexuais com as mulheres tendo ereção normal e não sendo homossexual.
E, muitas outras “coisas” mais, das quais prefiro me omitir, pelo menos por enquanto, meu infeliz amigo COSME ALVES!
—O quê! ... Como sabe o meu nome se ele é proibido de dizer e se referir a ele nesta ampla região, com o último que o sabia já tendo falecido há tempos?
—Desde que sai do Vau, tenho visto o nome “Alves” dado a vários lugarejos, córregos e até cachoeiras, daí, imaginei que seria o nome do senhor, quanto à “Cosme”, tão logo fui introduzido neste mirante observei, de relance, um quadro de São Cosme e Damião na parede à direita, ao redor de Cosme há um círculo ou aureola de pintura folheada a ouro, como nenhum católico praticante (ou não) iria discriminar Damião em favor de Cosme, vi logo que o seu primeiro nome é Cosme“.
—Meus parabéns! A partir deste momento, ao sair daqui, estará proibido de dizer ou comentar à respeito do meu nome para os demais.
—Então não serei um cadáver!
—Por enquanto... Não!
—Estamos progredindo e estou gostando do senhor estar dialogando mais comigo, isto é bom, muito bom!
—Eu tenho sofrido muito com a solidão de quem não falta nada, contudo, sentindo-me estar carente de tudo.
Até quando espirro tem alguém perto com um lenço ou dizendo “saúde”. Toda alimentação que vem para mim é “sobejada” no caminho para evitar o meu envenenamento.
A minha esposa faleceu no ano próximo passado e não pude comparecer ao seu funeral e sepultamento, com receio de tocaias no percurso até ao rés-do-chão.
Os meus dois filhos só me procuram quando querem aumento da mesada, não me pedem a benção e nem se interessam em saber como estou de saúde—Será um deles o que está “começando a escalada possessiva até o belvedere?”.
—Não acredito! Só seria possível se o senhor fosse um rei e eles príncipes, quando o senhor perder o poder eles cairão juntos!.
—Eu posso fazer igual ao “Sadan” e mandar matar todos os meus inimigos ou prováveis usurpadores da minha “posse”.
—No entanto, não o fará!
—Como pode ter essa convicção?
—Por vários motivos, dentre eles, porque, como já lhe disse, tal extermínio sem julgamentos o colocará como um dominador sem controle verbal e um executor ou mandante vencedor apenas pela força de cima para baixo, no que resultará na sedimentação dela no sopé e facilmente aproveitada por quem esteja desejando seguir os seus anteriores passos com meta até este belvedere e, também, em razão de ter que utilizar dos seus homens mais graduados para tal ceifa, homens esses que, quando chegar o seu indesejado substituto, poderão debandar de você e se inserir nas hostes do outro que se aproximar aqui de cima, portanto, nos dois casos, você, ou o senhor, estará numa “camisa de onze ou mais varas” ao promover a matança dos seus oponentes.
Quando você ainda estava subindo os degraus, teve que usar da truculência e do embuste para o fim que almejava, justamente por ainda estar, na ocasião, carente do domínio total. Contudo, dando esperança a quem o auxiliava em um dividendo justo com ele e os outros, agora, com todas as benesses em seu poder e para uso único sem dividir, os demais só esperam uma falha sua para escamoteá-lo aqui de cima e projetá-lo no desnível em direção do sopé ou do abismo.
Aprendi desde a meia idade que é muito mais difícil manter às posições ocupadas ou tomadas do que chegar até elas, isso, em razão do “vazio que sempre chega com a glória na calmaria do pós-guerra dos embates“, se o dirigente não tiver vontade própria ou oportunidade de dar o “pão e o circo” para os seus comandados, acabará sem o pão (poder) e o circo (diversões e dividendos) daí, o seu desassossego no posto que ocupa e que apenas recebe bajulações e obediências forçadas, sem nada dar em troca a não ser ordens e ... Mais ordens!

(CONTINUARÁ!...)
S.A.Baracho.

 
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S.A.Baracho
 
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