Poemas : 

Cena 1, Banco da Quadra, O Títere, A Pessoa e o Cachorro-Quati

 
.

Aprendi a pescar
inspirações.

Digo a mim mesmo:
- Vou escrever um poema.
Sento-me
em qualquer lugar que esteja
com o caderno em mãos,
olho por todos os lados
e espero o motivo
qualquer.

Às vezes só preciso
que a pessoa passe
com o cachorro.

O cachorro me vê.
O cachorro
é um quati.

Nunca mais pude ver
cachorros
como cachorros
depois da Lispector.

Clarice me contou
um dia,
de um homem
que tinha um quati
que tratava como
cachorro.

O mais interessante
do conto
é que
eventualmente,
o quati
passou a acreditar
ser cachorro.

Eu acredito no cachorro
que me olha,
percebe-me,
sente meu cheiro
de longe.

Olha-me nos olhos
como se soubesse
o caminho, assim,
instintivamente.

Mas,
o cachorro
ou o quati
está na coleira
e a sua passagem
é sempre
condicional.

A pessoa passa
passo a passo.
As costas da pessoa
é o passado.

Para passar
de lá para cá
é preciso
um ponto fixo
preciso.

Eu sou a ponte,
o ponto
ou o poste
por onde passam
pessoas
e sinas.

Às vezes
me olham na cara.
Às vezes me dão
o dia bom,
a noite,
à tarde.
Às vezes me dão algo
com o olhar.

Poucas vezes
as bocas se movem
em esboço
de sorrisos
quase monalísicos.

Passam.
Notam-me.
Sabem que eu
ponto,
ponte,
outra pessoa,
estou ali.
Outro história.
Outro mundo.

Às vezes
encaram o chão.
Como em homenagem
aos próprios
pés.

Observam o passo
ao invés da pessoa
poste,
fixa,
por onde passam.

É que o outro
é amedrontador.
O outro dá calafrios.
O outro me dá coisas
que me convencem
a fixar o chão
nos limites da reunião,
até que de costas,
a pessoa que passa
pensa
na pessoa suspensa
deixada para trás.

Pensando melhor,
o cachorro
da pessoa
era cachorro
mesmo.

Não é,
nunca foi
e nunca quis
ser quati.

O cachorro
da pessoa
mal desconfia
da existência
de quatis.

Ele sabe pouco
e por isso me olha
curioso,
nos olhos,
quando passa.

Sei mais do cachorro
que da pessoa.
Da pessoa
só sei as costas
e que não me olha
quando passa.

.




 
Autor
thiagodebarros
 
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Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
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Enviado por Tópico
Srimilton
Publicado: 21/05/2014 03:16  Atualizado: 21/05/2014 03:16
Membro de honra
Usuário desde: 15/02/2013
Localidade: Nenhuma
Mensagens: 1830
 Re: Cena 1, Banco da Quadra, O Títere, A Pessoa e o Cacho...
Adorei este poema!... Belo!...

Abraços!


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/05/2014 12:55  Atualizado: 21/05/2014 12:56
 Re: Cena 1, Banco da Quadra, O Títere, A Pessoa e o Cacho...
realmente é belo!


Enviado por Tópico
MarySSantos
Publicado: 21/05/2014 12:58  Atualizado: 21/05/2014 12:58
Usuário desde: 06/06/2012
Localidade: Macapá/Amapá - Brasil
Mensagens: 5848
 Re: Cena 1, Banco da Quadra, O Títere, A Pessoa e o Cacho...
sempre é um prazer ler-te. este poema é perfeito para ser explanado em momentos de integrações e/ou dinâmicas de grupos. parabéns!

bjo.


Enviado por Tópico
Branca
Publicado: 21/05/2014 16:02  Atualizado: 21/05/2014 16:02
Colaborador
Usuário desde: 05/05/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 3024
 Re: Cena 1, Banco da Quadra, O Títere, A Pessoa e o Cacho...
Fantástico, limpo, atraente.
O poema prendeu e surpreendeu.
Destaco o que me chamou atençao e veio a fazer parte da tua conclusão:

"A pessoa passa
passo a passo.
As costas da pessoa
é o passado. "



Parabens Thiago.

Beijo.

Branca