Sento-me em casa e fumo sozinha, à espera de que o cigarro me fale. Ou que me invada os pulmões de alguma matéria que me reavive ou me apresse a morte.
Já não sei o que fazer comigo.
Não chego a nenhuma conclusão,não chego a nenhum fim ou propósito.
Os dentes foram-me talhados para a corrupção, os pés foram-me amputados por uns olhos sem esperança, ou por uns braços enraivecidos pela dormência.
Se houvesse portões, ou paredes douradas, que me guiassem para fora de mim mesma, os pulmões ser-me-iam enchidos de novos ventos.
Digo-me para deixar ir o rugido de lamento, daqueles que eu admiro e não existem.
A verdade é que não fui prepotente, ou perversa.
A verdade é que a verdade é relativa.
A verdade é que, de verdade, não existe qualquer verdade.
Fixo um olhar de pestanas descaídas e baças num espelho, que vão caindo como as folhas de Outono e pergunto-me se, eventualmente, virá aperceber-se daquilo em que me tornou.
Mal como, mal durmo, mal falo.
Nasci no dia das mentiras. Nasci no dia de um ilusão planeada.
Nasci, sem realmente, ter nascido.
Salva-me os pecados, se não os conseguires conter dentro de uma garrafa de escarro.
Salva-me a alma, quando já não me couber nos pulmões.
Salva-me de mim, se não me conseguires amputar também os braços e cegar os olhos.
Já não me importam as preces sem religião.
Já não me importa a teoria de existência.
Já não me importa a importância.
Amontoa-me os ossos e pega-lhes fogo. Já não faz diferença, as folhas de Outono já caíram.
Não quero saber, por isso cose-me os olhos, passarei o resto da minha vida cega.
Tapa-me o corpo com uma manta, que toda esta existência estive nua.
Mata-me, fecha-me os olhos de espanto, cruza-me os braços sobre o peito, descalça-me.
Mata-me, mata-me o reflexo do espelho, mata-me as vozes.
Mata-me o sol, mata-me o vento, mata-me a visão.
Mata-me, deixa uma carta sobre a cómoda por mim, indiscreta.
Esvazia-me o quarto para o eco o percorra. Tranca a porta.
Corre as cortinas.
Corre-as totalmente, para quando abrirem a porta sintam o silêncio e já não me vejam a mim.
Escreve a última palavra numa letra tremida, que demonstre a incerteza da minha existência, que já o deixou de ser.
E mata-me.
Mata-me esta existência de nada ser.
Lau'Ra