Poemas : 

Preces sem Religião

 
Sento-me em casa e fumo sozinha, à espera de que o cigarro me fale. Ou que me invada os pulmões de alguma matéria que me reavive ou me apresse a morte.

Já não sei o que fazer comigo.
Não chego a nenhuma conclusão,não chego a nenhum fim ou propósito.

Os dentes foram-me talhados para a corrupção, os pés foram-me amputados por uns olhos sem esperança, ou por uns braços enraivecidos pela dormência.

Se houvesse portões, ou paredes douradas, que me guiassem para fora de mim mesma, os pulmões ser-me-iam enchidos de novos ventos.

Digo-me para deixar ir o rugido de lamento, daqueles que eu admiro e não existem.

A verdade é que não fui prepotente, ou perversa.
A verdade é que a verdade é relativa.
A verdade é que, de verdade, não existe qualquer verdade.

Fixo um olhar de pestanas descaídas e baças num espelho, que vão caindo como as folhas de Outono e pergunto-me se, eventualmente, virá aperceber-se daquilo em que me tornou.

Mal como, mal durmo, mal falo.
Nasci no dia das mentiras. Nasci no dia de um ilusão planeada.
Nasci, sem realmente, ter nascido.

Salva-me os pecados, se não os conseguires conter dentro de uma garrafa de escarro.
Salva-me a alma, quando já não me couber nos pulmões.
Salva-me de mim, se não me conseguires amputar também os braços e cegar os olhos.

Já não me importam as preces sem religião.
Já não me importa a teoria de existência.
Já não me importa a importância.

Amontoa-me os ossos e pega-lhes fogo. Já não faz diferença, as folhas de Outono já caíram.
Não quero saber, por isso cose-me os olhos, passarei o resto da minha vida cega.

Tapa-me o corpo com uma manta, que toda esta existência estive nua.

Mata-me, fecha-me os olhos de espanto, cruza-me os braços sobre o peito, descalça-me.

Mata-me, mata-me o reflexo do espelho, mata-me as vozes.
Mata-me o sol, mata-me o vento, mata-me a visão.

Mata-me, deixa uma carta sobre a cómoda por mim, indiscreta.
Esvazia-me o quarto para o eco o percorra. Tranca a porta.
Corre as cortinas.
Corre-as totalmente, para quando abrirem a porta sintam o silêncio e já não me vejam a mim.

Escreve a última palavra numa letra tremida, que demonstre a incerteza da minha existência, que já o deixou de ser.
E mata-me.

Mata-me esta existência de nada ser.

Lau'Ra
 
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Lau'Ra
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Enviado por Tópico
VCruz
Publicado: 20/07/2014 14:24  Atualizado: 20/07/2014 14:24
Colaborador
Usuário desde: 08/06/2011
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Mensagens: 678
 Re: Preces sem Religião
Que escrita bonita...não me falou de flores, nem de olores...mas de vida em carne viva...sinto...
V.

Enviado por Tópico
lisa++
Publicado: 04/08/2014 21:45  Atualizado: 04/08/2014 21:45
Super Participativo
Usuário desde: 07/02/2014
Localidade: Alcobaça
Mensagens: 134
 Re: Preces sem Religião
Os meus sinceros parabens pelo seu escrito repleto de verdades doridas, reais emoções que "escarradas" sem pudor qualquer um se reconhece...um escrito que foge literalmente a palavras "licodoces" sem sentido nem floreados escusados. Aplaudo de pé