Primícias do meu amor!
Meu filhinho do meu seio
Tenro fruto que à luz veio
Como à luz da aurora a flor!
Na tua face inocente,
De teu pai a face beijo,
E em teus olhos, filho, vejo
Como Deus é providente;
Via em lâmina dourada
O meu rosto todo o dia,
E a minha alma não havia
De a ver nunca retratada?
Quando o pai me unia à face
E em seus braços me apertava,
Pomba ou anjo nos faltava
Que ambos juntos abraçasse!
Felizmente Deus que o centro
Vê da Terra e vê do abismo,
Que bem sabe no que eu cismo,
Na minha alma um altar viu dentro:
Mas com lâmpada sem brilho,
Sem o deus a que era feito...
Bafeja-me um dia o peito,
E eis feito o meu gosto, filho!
Como em lágrimas se espalma
Dor íntima e se esvaece
De alma o resto quem pudesse
Vazar todo na tua alma!
Mas em ti minha alma habita!
Mas teu riso a vida furta...
Mas que importa! (morte curta!)
Se um teu beijo ressuscita!
João de Deus (1830-1896), Poeta e Pedagogo Português, in 'Campo de Flores'.
Imagem: Margarita Sikorskaia, pintora russa.