Olha a rapariga dos lábios vermelhos.
Olha-a bem, com os cabelos ondulados caídos sobre os pequenos seios e as pinturas nos braços, em cada poro da pele.
Olha-a bem, admira-a.
Pede-lhe que seja tua amiga e te conte o seu segredo, sentada ao teu lado, mesmo sabendo que nunca te permitirá fazer ceder a distância.
Pede-lhe um cigarro, se te apetecer, e vê-a tirar da mala que lhe vai caindo pelo ombro o maço, com a segurança nas mãos e a confiança nas pestanas.
Ela que te conte o seu segredo.
Ela que te diga que não és tu.
Ela que sorria para que o mundo a fixe na sua magnificência de pérola pálida e te destroce os teus sonhos.
Conhece-a bem. Mas nunca a sentiste ainda.
Deixa-a retocar o batom e pousar os óculos de sol sobre o nariz polido.
Deixa-a enrolar o cabelo no topo da cabeça para revelar as maçãs de rostos recortadas a lâmina.
Deixo que me digas que és uma estátua, mas não és feita de pedra.
Deixo que pronuncies que foste pintada, mas nunca concebida.
Quem te concebeu? O pénis da revolta e a vagina do pecado?
Diz-me... de quem és filha?
Descreve-me a matéria do teu corpo, do que são feitos os teus ossos e as íris dos teus olhos, que reluzem mas não brilham.
Deixo que brinques com o cigarro aceso entre os dedos, sem te interromper.
Eu ainda guardo o meu na mão, por violar.
Quero que expludas na tua luxúria para que eu o possa acender, com o pescoço esticado e o filtro nos lábios.
Explode e deixa-me os teus restos.
Vai com o eyeliner dos teus olhos, quando os lavares com sabão.
Olha ali a rapariga dos lábios vermelhos, encostada à ombreira dos Armazéns do Chiado.
Olha-a ali, sozinha e ainda desejada.
Mira-a, sem fixar.
Grava-a atrás dos olhos para a puderes ver quando ela já ali não estiver.
Diz adeus à menina dos lábios vermelhos e observa-a a desfilar, sem ter explodido.
Deixa-a ir, como a deixaste brincar com o cigarro sem se queimar.
Deixa-a ir, sem sequer te olhar.
Lá vai ela balançado, com batom na carteira e o espelho que a saúda.
Saúda-a tu também, abana-lhe a mão.
Despede-te.
Despe-te de ti mesma.
Conforta a ombreira, exactamente onde ela repousou sem nome.
Toma o seu lugar, aquece-o agora com o teu calor e observa-a balançar-se, ir-se, sabendo que ela não explodiu e que tu nunca foste ela.
Laura A. Justino