CHUVAS DE PENSAMENTO
Ouvi o fragor das gotas d’agua caídas ontem, lá fora,
mas, fugazes, elas tão-somente se mostraram...
como também a sua ressonância.
Peremptoriamente, aliás, como o é a via temporal de uma bala:
sim, porque, ao sair da ígnea arma,
em poucos momentos, transmuda uma lépida potência de luz
numa vida irremediavelmente ceifada.
Ah, também eu sei
que na minha mente chove.
No entanto, não são gamas de efêmero H2O cadente;
infelizmente, na realidade, vertem-se dilúvios de epígrafes
ácidos:
os quais nem remotamente lembram o olor da transitoriedade.
Creia-me: é muito ao contrário. A bem da verdade,
na mentosfera,
eles se formam; se condensam; deixam-se ficar; expandem-se e
Se reverberam!
Sempre num vôo-passo fleumaticamente contínuo. Continuamente inercial. Inercialmente reto.
Sim, eu tomo essa híbrida espécie de chuva
por fluxos de diária reflexão
que me levam bem ulteriormente a mim;
e, ao mesmo tempo, inimaginavelmente
próximo: próximo das chagas.
Contemplando as chagas: próximo o bastante para
contemplá-las.
Sentindo as chagas: próximo o bastante para
senti-las.
Incorporando as chagas: próximo o bastante para
incorporá-las.
Então, finalmente, sendo as chagas: a se apossar da sua matéria;
e, enfim, ei-las... eis que sou elas!
Não, não posso contemplá-las...
Não, não posso senti-las...
Não, não posso incorporá-las...
Não, não sou a matéria...
Não, não sou a chaga.
Ah, pena que não possa nada...
Ah, pena que uma coisa só fazer possa...
Ah, pena poder apenas empunhar a pena pra exarar
E mais nada.
Sim, que porra não poder conter a chuva... Não estancar a cruel
enxurrada.
Não poder acabar com o padecimento causado pelas mazelas.
Não cicatrizar as dolorosas chagas!
Ah, e esta chuva que não passa...
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA