Onde queres ganância, eu sou miséria;
E onde queres certeza, indagação;
Onde queres ideia, eu sou matéria;
E onde queres repulsa, gratidão;
E onde queres audácia, timidez;
E onde queres a lei, subversão;
E onde queres cultura, estupidez;
E onde queres intriga, eu sou perdão.
Onde queres degrau, eu sou abismo;
E onde queres Tio Sam, sou Lampião;
Onde queres moral, sou erotismo;
E onde queres atraso, prontidão;
E onde queres moderno, eu sou retrô;
E onde queres lazer, escravidão;
E onde queres Apolo, Pierrot;
E onde queres a fé, eu sou razão.
Onde queres Le Monde, eu sou Pasquim;
E onde queres Beethoven, sou Baião;
Onde queres a paz, sou estopim;
E onde queres o Éden, evolução;
E onde queres progresso, Kaiowá;
E onde queres vingança, compaixão;
E onde queres Florença, Quixadá;
E onde queres a flora, eu sou sertão.
Onde queres Obama, eu sou Mandela;
E onde queres inteiro, sou cisão;
Onde queres a ordem, Marighella;
E onde queres pudor, devassidão;
E onde queres fartura, escassez;
E onde queres perfeito, aberração;
E onde queres sensato, embriaguez;
E onde queres discurso, eu sou canção.
Onde queres banquete, eu sou conviva;
E onde queres conforto, barracão;
Onde queres Homero, Patativa;
E onde queres fascínio, opinião;
E onde queres privado, MST;
E onde queres prazer, desilusão;
E onde queres o raro, eu sou clichê;
E onde queres o chic, eu sou lixão.
Onde queres malícia, eu sou criança;
E onde queres convívio, solidão;
Onde queres fracasso, esperança;
E onde queres partido, oposição;
E onde queres real, sou sonhador;
E onde queres burguês, revolução;
E onde queres prestígio, humilhação;
E onde queres desprezo, eu sou amor.