(Devaneios no último comboio para Sintra)
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Menina que sais no Cacém,
rosto de aguarela,
em que pensas tu tão bem
sentada a essa janela?
Indiferente ao exterior,
que levarás tu dentro de ti:
será paz, será dor?
Pergunto-me desde que te vi.
Todos os dias o mesmo lugar,
um banco que já parece só teu.
Será que levas a alma a chamar
por algo que em ti morreu?
És bela, com certeza,
mas uma flor no deserto.
Mantem a alma acesa
para o céu ficar mais perto.
Se a alma sonha voar,
que do teu coração brote
um céu para te guiar,
um ninho que te conforte.
Se há algo que pretendes,
busca-o - até na morte,
porque a força a que te rendes
é a do teu sonho mais forte.
Tens rosto de menina,
tristeza de mulher.
Procura a medicina
que o teu coração quer.
Talvez um dia fale contigo,
talvez um dia me oiças.
Talvez encontremos abrigo,
descubramos o sentido das coisas.
Moça de olhos de água,
se estás no peito a chover,
para além das núvens de mágoa
há sempre um sol a nascer.
São quatro da manhã
de uma já longa segunda-feira.
Que tens tu em ti, hã?,
que me desperta desta maneira?
"Phones" nos ouvidos,
olhos na paisagem.
Procurarás sentidos
para esta humana viagem?
Se calhar sou eu tonto,
se calhar és feliz no fundo.
Saberia isso de pronto,
olhasses-me tu um segundo.
Perdi de súbito o teu rasto
no comboio da uma e oito.
Sou barco sem vela nem mastro
a furar o mar da noite.
Não precisas de responder às tuas questões. Precisas é de questionar as tuas respostas.