ZECO, O ÓRFÃO
CAPÍTULO II
A descoberta
Quando Zeco recobrou os sentidos eram 11 horas da noite. Lembrou-se de tudo e chorou desesperadamente entre almofadas do sofá. Estava meio em estado de choque e, por isso,
não deu atenção às chamadas telefônicas que se repetiam sucessivamente. Acabou por adormecer ali mesmo e nem viu o dia amanhecer. Eram 8 horas da manhã quando foi despertado pelo tilintar do telefone, que tocava insistentemente. Cambaleando chegou até o aparelho e o atendeu.
- Alô? Zeco? Aqui é Paulo André, seu professor de Educação Física. Você está bem? Desde ontem à noite que tento falar com você, mas não houve quem atendesse a chamada.
- É claro que não estou bem... meu pai... meu pai... faleceu!
- Sim, todos ficamos sabendo graças à diretora do colégio que conhecia bem seu pai. Você deve estar precisando de ajuda... está só?
- Sim, estou só... eu e Deus!
- Estou indo para sua casa, vou dar-lhe a assistência de que precisa.
- Por favor, venha... estou meio perdido...
Logo Paulo André tocava a campainha do portão e Zeco o atendeu, totalmente desfigurado.
- Entre. Veio com alguém?
- Sim, estou com seu colega de classe, Rodrigo. Deixe-o entrar também.
- Entrem. Não estou em mim.
Imediatamente entraram. Paulo André e Rodrigo ficaram encantados com riqueza do ambiente, porém este não era o momento para perguntar, nem fazer elogios.
- Você ainda está com a roupa da escola... disse Rodrigo.
- Nem tive tempo de trocá-la, nem de comer nada. Estou morto de fome – respondeu Zeco.
- Permita-nos cuidar de você, Zeco. Onde é seu quarto? Indagou Paulo André.
- No primeiro andar...
E conduziram Zeco até seus aposentos. Lá o despiram e o colocaram debaixo do chuveiro para um banho refrescante. Zeco estava sem reações e se deixou banhar. Depois o enxugaram e o trouxeram de volta à alcova. Descobriram onde guardava suas roupas e o vestiram, colocaram seus sapatos, pentearam os longos cabelos e desceram. Já na sala, Paulo André perguntou.
- Está em condições de ir até o IML para fazer o reconhecimento do corpo de seu pai?
Sem atinar para o que dizia, respondeu.
- Para mim tanto faz como tanto fez... estou com fome!
Saíram e o colocaram no carro do professor. Antes de chegaram ao IML, pararam num restaurante, onde todos comeram. Em seguida se dirigiram ao IML. Lá já estavam outros professores e a diretora do colégio, Dona Prazeres.
- Venha comigo, Zeco, façamos o reconhecimento do corpo para depois prepararmos as exéquias – disse Dona Prazeres.
Zeco estava um autômato. Nada resolvia e com tudo concordava.
Venceram-se as burocracias e no mesmo dia, às 17 horas, houve o enterro. Concluídos o velório e o sepultamento, Dona Prazeres dirigiu-se ao garoto.
- Alguém precisa ficar com você. Aquela casa é enorme para deixá-lo sozinho ainda no estágio em que se encontra.
Finalmente Zeco mostrou reação após todos os nefastos acontecimentos.
- Não precisa. Eu quero ficar sozinho. É tudo quanto desejo neste momento – disse.
- Sozinho naquele palácio? – Indagou Paulo André.
- Já estou acostumado a ficar só. Meu pai viajava muito e sempre fiquei só em sua ausência. Por favor!
Todos respeitaram seu desejo. Somente o levaram para casa. Zeco agradeceu, abriu o portão e entrou. O estado de choque havia passado, seu raciocínio era outro, sua consciência pensou com exatidão. Sentiu-se extremamente extenuado. Não necessitava de sair para alimentar-se, a geladeira estava abarrotada de comida. Durante alguns dias ficou em casa sozinho, sem pôr os pés na rua.
Após uma semana sem dar qualquer notícia, recebeu um telefonema de Dona Prazeres.
- Como você está, Zeco? Vem à escola hoje?
- Estou bem, Dona Prazeres. Sim, eu hoje retomo minhas atividades normais. Ah, diga-me: quanto meu pai pagava de mensalidade? Parece-me que é época de pagar...
- Suas mensalidades estão quitadas até o final do ano. Seu pai pagou a anuidade completa, não precisa preocupar-se com isso, Zeco.
-Obrigado, Dona Prazeres, até mais tarde.
Desligou o telefone. Ainda não houvera coragem para abrir o cofre, faria isto à noite quando estivesse de volta da escola. Era necessário saber de quanto na realidade dispunha para fazer uma programação para sua vida.
Fez tudo conforme o costumeiro. Na hora certa saiu para suas aulas, sem deixar de almoçar. Na escola foi mais paparicado do que nunca e, desta vez, gostou dos afagos, pois estava a sentir profunda solidão. A tarde escoou-se rapidamente e, antes que pudesse colocar os pés
de retorno ao lar, fora chamado por Dona Prazeres em sua sala.
- Acredito que você já deva ter pensado em seus dias de agora em diante. Você só tem 13 anos e não pode viver sozinho, precisa de companhia e orientação. Vou entregá-lo ao Conselho Tutelar....
- Não! – pediu Zeco, meio descontrolado – Não faça isso, por favor! Posso muito bem cuidar-me sozinho, não necessito de ninguém.
- Mas você é uma criança, Zeco, não pode responder por si, é importante que o Conselho o oriente – reforçou Dona Prazeres.
- Não! – repetiu – Não quero! Se a senhora quer meu bem, deixe as coisas como estão... Eu juro que se precisar de algo, peço sua orientação, não quero mais ninguém. Por favor, prometa que me atenderá, por favor!
- Está bem, por enquanto deixá-lo-ei como quer, porém ficarei observando. Caso eu perceba algo fora da linha em sua vida, entregá-lo-ei ao Conselho Tutelar.
- Fico imensamente agradecido. Com o tempo a senhora perceberá que não preciso de ninguém.
E assim ficou combinado. Zeco superava, aos poucos, a ausência do pai e cumpria discretamente com suas obrigações. Jamais dera um passo em falso, portanto levava sua existência na mais completa solidão do lar. Abriu o cofre e ficou estupefato com a quantidade de dinheiro guardado. Retirou todos os valores fora do cofre e foi devolvendo à medida em que fazia a contagem. Quanto mais contava, mais tinha para contar. Perplexo ficou com o resultado final: 50 milhões de reais! Compreendeu que em outro espaço aquele dinheiro não caberia, só mesmo ali, pois, o pai soubera construir um cofre imenso, que tomava toda a parede onde ficava o guarda-roupa embutido. Por trás das roupas ninguém diria que ali havia um cofre. Todavia aqueles antigos pensamentos voltavam à sua mente:” Que fazia seu pai? Como conseguira juntar tanto dinheiro? Por que não guardara os valores num banco?”
Eram perguntas sem respostas. Agora era ele quem deveria administrar aquela fortuna... se quisesse, pararia de estudar e teria o suficiente para viver bem até o final dos seus dias... mas logo cortava tal pensamento. Continuaria a estudar e lutaria para conseguir atingir seus objetivos: ser físico nuclear, trabalhar na Nasa e dar sua contribuição à humanidade.
Ia fechando o cofre quando alguma chamou sua atenção. Era uma gaveta diferente, abaixo do cofre, uma espécie de fundo falso. Experimentou chave por chave até que conseguiu abrir a tal gaveta. Dentro dela havia bastantes envelopes, todos rigorosamente lacrados. Abriu um a um e tudo leu. Estava pasmo! Finalmente descobrira o que fizera seu pai ganhar tanto dinheiro. Leu novamente, releu várias vezes, era preciso não ter dúvidas quanto à interpretação do que lia, era necessário ter a mais absoluta certeza. Estava tudo claro aos seus olhos. Zeco só tinha 13 anos, todavia não era burro, ao contrário, era extremamente inteligente. Sim, seu pai, Alfredo Flores, era chefe de uma quadrilha de assaltantes de bancos. Ainda bem que sua chefia era oculta, ninguém do bando conhecia sua identidade. Ele era tratado como o COIOTE, mas seu verdadeiro nome ninguém conhecia. Aqueles que um dia ousaram descobrir sua identidade foram impiedosamente eliminados. Pensou em si. Será que não sabiam mesmo a identidade do COIOTE? Até a polícia há décadas vinha tentando desvendar este segredo e efetuar sua prisão. Tornara-se o mais famoso assaltante de banco do mundo, porque nos documentos encontravam-se suas ligações internacionais. Atuava no Brasil, na África do Sul, do Norte, na Europa e na Ásia. E ninguém jamais descobrira seu verdadeiro nome. Ao mesmo tempo sentia repulsa e idolatrava seu pai. Nunca trairia sua memória. Pegou todos aqueles documentos os pôs numa caixa e desceu, ganhando os fundos da casa, que tinha muros altíssimos e cerca elétrica. Trouxe consigo várias garrafas de álcool e fez fogo... Destruiu todas aquelas provas que incriminavam a memória de Alfredo Flores. Ninguém jamais saberia e até ele mesmo buscaria esquecer. Nada poderia fazer... Pensou na possibilidade de devolver os milhões de reais... mas a quem ? “Não! – pensava – eu não tenho culpa, só me resta administrar esta fortuna e ser feliz”.
Tudo estava consumado. As provas destruídas, definitivamente. Voltou para o quarto, fechou o cofre, a gaveta secreta, agora vazia, apagou a luz e se deitou com a cabeça remoendo de planos, contudo, mesmo assim, algumas lágrimas rolaram por sua face infantil...
FIM DO CAPÍTULO II
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