QUE ME DESCULPEM OS BRASILEIROS!
(Ivone Carvalho)
Que me desculpem os brasileiros, se puderem! Mas, sinceramente, eu me sinto violentada se não expuser a minha mais honesta opinião sobre tantos acontecimentos que têm feito parte da história deste país nos últimos tempos.
Nasci em 1951 e, portanto, é fácil deduzir que também fiz parte de movimentos estudantis nos anos 60 e 70. Que escondia determinados livros que comprava nos sebos da vida (porque só assim teria dinheiro para comprá-los), temendo ser presa a qualquer momento numa rua qualquer desta São Paulo, já que muita coisa eu ainda não conseguia entender direito. Que participei de passeatas. Que também bati panela e me transformei em cara pintada nos anos 90.
Chorei a morte de Tancredo. Fui uma brasileira que conferia os números nos supermercados. Sofri e chorei com a morte de Ayrton Senna, um brasileiro que deu orgulho à sua Nação.
Enfim, vesti a camisa verde-amarela com toda paixão do bom brasileiro, em todas as oportunidades que já surgiram durante esta minha curta, mas já sexagenária, vida.
E gritei gol em todas as Copas do Mundo, chorei com o coração vibrando e saí buzinando pelas ruas da cidade a cada Taça que o Brasil conquistou.
E imaginava como seria se um dia a Copa pudesse ser realizada aqui no Brasil. Teríamos a mesma criatividade dos demais povos do mundo que receberam as seleções dos países participantes? Seríamos capazes de dar shows tão deslumbrantes quanto todos que tive a oportunidade de assistir desde que a TV nos permitiu essa maravilha? Estádios magníficos, pirotecnia fantástica, danças, coreografias, cores, enfim, festas dignas de serem apresentadas em rede mundial, para os povos de todos os países.
Sonhei que um dia também poderíamos fazer tudo isso. E provar para o universo que não somos tão somente carnaval e bola no pé. Que temos sim, talento, criatividade, know-how, inspiração. Afinal de contas, Deus é brasileiro!
E chegou, enfim, o grande momento que, tenho certeza, muitos, mas muitos brasileiros, como eu, esperaram ao longo de suas vidas.
O Brasil se candidatou à sede da copa e ninguém fez qualquer movimento contrário, discordando da candidatura. Ouvi sim, muita gente dizendo que jamais ganharíamos porque não tínhamos condições. Mas não me lembro, juro, de nenhum movimento, nenhuma passeata, nenhuma cara pintada, nenhum palanque, nenhuma camiseta, nada, absolutamente nada, se mostrando contra a candidatura do Brasil.
E naquela época, a Fome era a mesma de hoje. A Saúde era tão precária quanto é hoje. O desemprego era maior que hoje. As balas perdidas já pipocavam nas grandes cidades. E até nas pequenas! O medo de sair às ruas, de chegar tarde em casa, de deixar os filhos se divertirem, dos estupros, dos ladrões, bandidos, assassinos, era tão grande quanto é hoje. A droga já rolava solta havia anos. A pobreza não era diferente da pobreza de hoje. Os hospitais, postos e casas de saúde também não tinham médicos e tampouco remédios. O trânsito e a poluição já faziam parte, há muito tempo, do caos da vida dos brasileiros. E, acreditem, a corrupção era tão grande, senão maior, que a de hoje.
Mas em nenhum momento eu vi movimentos contrários à candidatura do Brasil à sede da Copa do Mundo de 2014! Se houve, deve ter sido tão silencioso, tão pequeno, que não foi capaz de receber a repercussão que os movimentos, desabafos, ataques, enfim, tudo que hoje ouvimos e vemos demonstrando contrariedade à realização desses jogos no nosso País.
Não sei se sou brasileira demais ou ignorante ao extremo. Confesso que não me considero ignorante. E que amo demais o Brasil!
Mas, se discordar de tudo que tenho visto e ouvido atacando os nossos governantes e todos que trabalham, se empenham e se dedicam a apresentar o nosso Brasil da forma que tanto sonhamos durante tantos anos, a todos os povos do mundo, a receber nossos irmãos dos outros países com a mesma educação (se não for possível melhor ainda) e o mesmo respeito que sempre exigimos e apreciamos quando estamos no exterior, se tudo isso é ignorância, então sou sim, muito ignorante!
Saímos do Brasil e criticamos o que vemos de errado lá fora. E admiramos o que encontramos de belo, de prático e de fantástico. Vamos nos empenhar para que também o estrangeiro se admire do que é nosso e tenha o mínimo de críticas a fazer.
O Brasil é a nossa casa. Estamos preparando uma festa maravilhosa que receberá convidados do mundo inteiro, de todas as raças, religiões, classes sociais. Nossos convidados merecem ser bem recebidos, tal como nós gostamos que nos recebam. Nossa casa merece estar limpa, bonita, bem decorada, toda enfeitada, florida, para mostrar o quanto somos bons anfitriões.
Essa é a nossa grande oportunidade! Não é o momento de discutirmos a validade da festa. Ela já está marcada! Os convites já foram entregues.
Não é o momento de provocarmos aglomerações que somente resultam em quebra-quebra, ferimentos, perdas irreparáveis para quem nada tem com as decisões (ou falta delas) governamentais e até mortes.
Quando começar a festa, cada brasileiro quererá ficar diante de uma TV, um telão ou dentro do estádio para ver a bola rolando e gritar muitos gols para o Brasil. Todos sairão apressados do trabalho para chegar em tempo e não perder o horário da festa.
A festa vai começar. E com o coração feliz e esperançoso, vibrando pela nossa Seleção, devemos transformá-la na mais bonita, na melhor festa que já pudemos oferecer aos nossos convidados, mas, mais do que isso, a nós mesmos, os brasileiros, os anfitriões que têm sim, talento, criatividade, inspiração, alegria, beleza no corpo e na alma, e bola no pé!
E os problemas de casa, a roupa suja, vamos deixar para lavar depois que os convidados se forem, que os jornais do mundo nos elogiarem, que, quem sabe, tivermos celebrado a grande vitória, nos tornando Hexacampões.
E se perdermos, vamos chorar sim. Alguns dos milhões de técnicos que o Brasil possui dirá que já sabia disso e até que estão satisfeitos com o resultado. Não será verdade, mas a gente fingirá que acredita!
(Ivone Carvalho – 22/04/2014)