Amaro seguiu o seu nariz e ficou. E desde então continuou ficando. Parado.
Veio o emprego do banco.
-Amanhã talvez apareça outro melhor...Amanhã.
Vieram outros dias. Conformou-se. E os sonhos? E as sinfonias? E os poemas? Amanhã...
Assim, dez anos. Sem variantes. Um dia acariciou a ideia de voltar à terra natal. Para ver a ruazinha humilde, com o cego que tocava concertina, o cachorro vagabundo que se refestelava ao sol, o vendeiro português... Mas isso não passou de um simples projeto. Um tumulto de invenções, melodias, sinfonias, poemas... Mas entre o plano e a realização havia um abismo que era preciso vencer com um pulo. E Amaro nunca dava esse pulo... Medo?Ou via que tudo, no fundo, é inútil, que todos os gestos no fim se desfazem em poeira?
Os outros dizem:
-O seu Amaro é um moço carrancudo...
-O seu Amaro não sabe rir...
-O seu Amaro é misantropo...
-O seu Amaro não gosta de ninguém...
E no entanto ele sofre em silêncio. Quanta ternura recalcada, quanto gesto de carícia e de complacência corre no gelo do silêncio e da imobilidade. Ele olha para todas as criaturas e para todas as coisas com uma profunda simpatia, mas com uma simpatia que jamais se transforma em gestos ou palavras. Às vezes tem uma vontade inenarrável de sorrir para toda a gente que o cerca, de revelar toda a sua cordialidade e toda a sua compreensão numa frase, num sorriso , num ato... Mas o espírito de análise intervém, destruidor, disseca todas as idéias, e mata o gesto... Fica ecoando no ar a pergunta que os lábios não fizeram, mas que a mente não cansa de formular: Para quê? E depois, mais forte que tudo a sua timidez...
E assim ele passa pela vida em silêncio, de olhos baixos, sem olhar nem sorrir para ninguém.
E agora ele está aqui- rumo dos quarenta anos, à janela dum quarto de pensão, olhando para uma menina em flor que rodopia ao sol...
Clarissa-Erico Verissimo
Só queria dividir com os amigos leitores essa parte desse livro que me tocou!
Um abraço coletivo!
Samuel